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ENGLISH E AMERICAN BARLEY WINE: o que as tornam tão especiais?

Uma cerveja especial, dentre as cervejas especiais.

É assim que a Barley Wine é rotulada no meio cervejeiro, especialmente por sua característica principal: a aptidão ao envelhecimento

Algumas são capazes de atingir mais de dez anos de guarda!

A primeira Barley Wine foi comercializada por volta de 1854 pelos ingleses e tinha uma grande missão: se igualar em força com os vinhos importados fabricados pelos seus arqui-inimigos franceses.

O resto da história, bem como suas características sensoriais, ingredientes e detalhes do processo de produção do estilo Barley Wine você fica sabendo abaixo, no artigo científico de autoria do Sommelier de Cervejas e aluno do curso de Master em Estilos da ESCM, André Pagani Tochetto.

Sob a orientação do professor Rodrigo Sawamura, a pesquisa revela, ainda, quais as principais cervejarias e cervejas representativas desses estilo vivo e frutado, às vezes doce, às vezes agridoce, mas sempre com muito álcool.

Quer um conselho?

Abra uma Barley Wine e desfrute a leitura sentido os sabores e aromas dessa grande cerveja! 

Cheers!


ENGLISH E AMERICAN BARLEY WINE

Resumo

O estilo de cerveja English Barley Wine teve origem nas cervejas Ale fortes, fabricadas na Inglaterra nos séculos XVI e XVII. Na década de 1970, ganhou sua versão americana com a adição generosa de lúpulos de mesma origem. É uma cerveja complexa, de elevado teor alcoólico e que tem foco na base maltada. Seu processo de produção desafia os cervejeiros e leva os equipamentos aos seus limites, mas o resultado recompensa. Em geral, envelhecem bem, ganhando ainda mais complexidade. É uma cerveja especial, que vale a pena apreciar.

Palavras-chave: Barley Wine, american, english, ale, strong.

Introdução

O estilo Barley Wine2 retrata cervejas especiais, o que pode ser sentido nas suas características intensas, em seu processo produtivo – que leva os equipamentos e os cervejeiros a seus limites-, bem como no momento da sua degustação.

Dentre as “cervejas de linha” da maior parte das cervejarias, a Barley Wine figura entre os estilos mais alcoólicos. Entretanto, com frequência as Barley Wine são feitas como uma cerveja comemorativa, apenas uma vez por ano, no inverno ou em datas especiais.

Além disso, são cervejas que envelhecem bem e frequentemente são armazenadas em barris de madeira, o que aliada à sua intensidade, faz jus, de certa forma, ao nome de “vinho de cevada”.

O principal objetivo deste trabalho é descrever o estilo Barley Wine, sua história, suas características, ingredientes e processos. Também faz parte do objetivo do trabalho realizar uma comparação entre o estilo Barley Wine e outros estilos de cervejas fortes, que podem possuir características semelhantes, de maneira a permitir identificar os principais pontos que os diferenciam.

2.0 A História do Estilo Barley Wine

Por muitos séculos o processo de fazer cerveja foi cheio de incertezas, com pouca base científica e muito dependente do conhecimento empírico. 

A dificuldade de controlar e medir a temperatura, por exemplo, influenciava muito no processo de fabricação da época. 

Para ultrapassar essa barreira, era muito comum a utilização do processo de decocção, onde uma parte do mosto era separada e fervida, e depois novamente misturada. Como a temperatura do mosto fervido era conhecida, as proporções eram calculadas para que a mistura final atingisse certa temperatura (Allen, 1998). 

Além disso, a fervura de parte do mosto também ajudava na quebra do amido, melhorando o processo de sacarificação, já que, na época, eram utilizados maltes pouco modificados.

Já na Inglaterra, nos séculos XVI e XVII, era comum a produção de três tipos de cerveja a partir do mesmo mosto (parti-gyle). 

A primeira parte do mosto retirado dos grãos tinha densidade muito elevada e resultava em cervejas fortes. Após a retirada da primeira parte, se adicionava mais água nos grãos, que resultava em uma segunda quantidade de mosto, de intensidade intermediária. Por fim, uma nova adição de água resultava em um mosto de densidade bem baixa. 

Os três mostos retirados eram fermentados separadamente e resultavam em cervejas muito distintas. 

As cervejas mais alcoólicas, da primeira retirada, suportavam melhor o armazenamento, então as cervejas mais leves eram bebidas ainda frescas e as mais alcoólicas armazenadas para consumo posterior (Steele, 1998).

Esse tipo de processo deixou de ser usado ao longo do tempo, com a introdução  das técnicas de lavagem (sparging), mas ainda há cervejarias que os utilizam, como a Fullers (Allen, 1998).

Anos mais tarde, em meados do século XVIII, foram registrados os primeiros usos de termos comerciais como malt wines (vinhos de malte) e malt liquors (licores de malte) para se referir às cervejas mais fortes da época, que tinham origem na primeira retirada de mosto dos grãos. 

Do final do século XVIII ao início do século XX, vários outros termos foram empregados para designar esse tipo de cerveja, como old (envelhecida), Strong (forte) e stock (de guarda) (Allen, 1998).

Nem todas essas cervejas poderiam ser descritas como as Barley Wine nos termos em que conhecemos hoje, mas eram cervejas fortes, geralmente armazenadas por algum período antes de serem consumidas e, com certeza, foram as precursoras do estilo. 

Como essas cervejas eram fermentadas e armazenadas em barris de madeira, também havia a influência de outros microrganismos residentes nesses locais. Era comum que essas cervejas tivessem um caráter mais azedo, ácido ou ainda uma característica de vinagre, diferente das Barley Wines atuais.

As cidades inglesas de Burton-on-Trent e de Londres eram referências na produção de ales fortes, com várias cervejarias produzindo diferentes cervejas. A principal diferença entre elas estava nas cepas de fermento e no dulçor. Em Londres, as cepas eram mais atenuantes e as cervejas menos doces que as de Burton (Daniels, 2000).

Em 1854, a cervejaria Bass começou a produzir a “Bass Nº 1 – Burton Ale”, que foi uma das primeiras Barley Wines comerciais. 

O termo “Nº 1” era utilizado para designar a cerveja mais forte da cervejaria. Por exemplo, em  1890,  a  cerveja  “Bass Nº 1” tinha densidade inicial na faixa de 1,110; a “Bass Nº 2” tinha densidade inicial na faixa de 1,097 e a “Bass Nº 3” tinha densidade inicial na faixa de 1,084 (Allen, 1998).

Em 1903 a “Bass Nº 1” passou a ser chamada de “Barley Wine” (vinho de cevada) e foi viável comercialmente por muitos anos. 

Depois disso, várias outras cervejarias passaram a adotar o termo e passou a ser comum encontrar cervejas Barley Wine na Inglaterra. 

O uso do termo “Barley Wine” se sobressaiu aos demais termos utilizados na época para descrever as cervejas fortes, principalmente por associar a cerveja ao status do vinho.

As Barley Wines eram até então cervejas mais escuras até que em 1951 a cervejaria Tennant, agora Whitbread, produziu pela primeira vez a “Gold Label”, uma Barley Wine de cor dourada (Guia BJCP, 2015).

No decorrer do século XX, uma combinação do racionamento de malte em função das guerras, da implementação de impostos proporcionais à força alcoólica da cerveja e um movimento global pelo consumo de cervejas mais leves, fez com que as vendas e a fabricação de cervejas fortes como as Barley Wine caíssem muito na Inglaterra.

A produção da Barley Wine Bass Nº 1 foi interrompida no período de 1944 a 1955 e depois retomada, até que em 1995 foi definitivamente descontinuada (Allen, 1998).

No início dos anos 70, entretanto, surgiu na Inglaterra um movimento chamado Campaign for Real Ale (CAMRA), que tinha por objetivo incentivar o retorno da produção e consumo das cervejas ale tradicionais inglesas. Segundo a CAMRA, o estilo Barley Wine foi desenvolvido durante a guerra entre Inglaterra e França nos séculos XVIII e XIX, quando a aristocracia inglesa buscava uma cerveja ale para substituir o vinho tinto importado (Strong, 2010).

O escritor Michael Jackson registrou que no início dos anos 1800 haviam cervejas sendo produzidas com o objetivo de alcançar a força dos vinhos importados, com aromas e sabores de vinho (Strong, 2010).

Oliver (2012) também relata a história de que o estilo surgiu para suprir a necessidade de bebidas para rivalizar com os vinhos fortificados e cita que os primeiros a fazerem Barley Wines de qualidade foram os mordomos de famílias ricas inglesas. Sem pressões comerciais, tinham condições de realizar o custoso processo de envelhecimento. A cerveja ganhava em termos de qualidade e complexidade e era motivo de orgulho frente a amigos e vizinhos.

De todas essas informações e histórias, é seguro afirmar que cervejas ales fortes eram produzidas na Inglaterra muito antes do termo Barley Wine passar a ser utilizado e também foram chamadas de vários outros nomes. O mais provável é que o termo tenha passado a ser utilizado com fins comerciais, de modo a elevar o  status da bebida e enaltecer suas características.

Hoje, na Inglaterra, algumas cervejarias de maior porte continuam a produzir Barley Wines, como por exemplo a Fullers, com sua Golden Pride, mas a maior diversidade está na produção de pequenas cervejarias locais (Allen, 1998 e Guia BJCP, 2015).

Já nos Estados Unidos da América, a história da Barley Wine é bem mais recente. As cervejarias existentes nos anos 1800 e início dos anos 1900 reproduziam basicamente os estilos de cervejas ingleses, especialmente as Pales Ales e as Porters.

Após um período de declínio no consumo de cervejas no início do século XX, principalmente em função das guerras e da lei seca, novas cervejarias voltaram a surgir na segunda metade do século, novamente reproduzindo estilos de cervejas ingleses (Steele, 1998).

Nos anos 70, iniciou-se a revolução da cerveja artesanal americana, impulsionada, em outras coisas, pela abundante utilização de variedades de lúpulos locais, que caiu no gosto dos consumidores (Steele, 1998). 

Duas dentre as cervejarias pioneiras nesse movimento foram a Anchor e a Sierra Nevada, que também lançaram suas versões do estilo Barley Wine: a Anchor Old Foghorn (1975) e a Sierra Nevada Bigfoot (1983).

As primeiras versões dessas cervejas tinham um caráter lupulado maior que as suas equivalentes inglesas, mas não na mesma intensidade que há hoje. Com o passar do tempo, os lúpulos locais foram ganhando mais destaque, o que deu origem ao estilo americano de Barley Wine (Allen, 1998).

3.0 Características do estilo Barley Wine

A Barley Wine é um estilo onde a complexidade e a riqueza do malte são os protagonistas, no aroma e no sabor. Possui teor alcoólico e corpo elevados, bem como dulçor residual que se equilibra com o amargor.

As English Barley Wines podem ser de cor dourada intensa chegando até um cobre escuro. As versões mais claras têm, em geral, mais notas de panificação e de caramelo, enquanto as versões mais escuras possuem um caráter maltado mais rico, incluindo caramelo, melaço e frutas secas e escuras.

As versões mais claras costumam ser mais amargas e mais atenuadas, mostrando um pouco mais o caráter lupulado do que as versões escuras. Ambas as versões são muito maltadas e podem ter uma quantidade elevada de ésteres, além de características de envelhecimento (Strong, 2010 e BJCP, 2015).

As American Barley Wines podem ser de cor âmbar até um cobre profundo; em geral, em um tom intermediário entre as versões inglesas claras e escuras. Sua principal diferença com relação às inglesas é a intensidade do lúpulo. São mais amargas e possuem mais sabor e aroma de lúpulo. Também são cervejas muito maltadas, mas a maior presença do lúpulo tende a diminuir a percepção do dulçor do malte.

3.1 Parâmetros de acordo com os guias de estilo

Os principais guias de estilos utilizados atualmente são o guia do Programa de Certificação de Juízes de Cerveja – Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines (Guia BJCP, 2015) e o guia da Associação de Cervejeiros dos Estados Unidos – Brewers Associations 2018 Beer Style Guidelines (Guia BA, 2018).

A Tabela 1 apresenta um comparativo dos principais parâmetros dos estilos nos dois guias.

ParâmetroEnglish Barley Wine – Guia BAAmerican Barley Wine – Guia BAEnglish Barley Wine – Guia BJCPAmerican Barley Wine – Guia BJCP
Cor (EBC)22-4022-3616-4420-38
Densidade inicial1.085-1.1201.090-1.1201.080-1.1201.080-1.120
Densidade final1.024-1.0281.024-1.0281.018-1.0301.016-1.030
Álcool (ABV)8,5%-12,2%8,5%-12,2%8%-12%8%-12%
Amargor (IBU)40-6560-10035-7050-100
Tabela 1 – Parâmetros das Barley Wines

Como era de se esperar, as principais características dessas cervejas são descritas de maneira semelhante em ambos os guias de estilo. 

São cervejas encorpadas, com um alto residual de doçura herdada do malte. 

A complexidade das notas alcoólicas e frutadas (ésteres) é normalmente alta. 

Notas de caramelo e características que indicam oxidação, como notas de vinho do porto ou semelhantes ao xerez, são geralmente consideradas positivas 

(Guia BA, 2018; Guia BJCP, 2015).

Nas versões inglesas, os aromas e sabores de lúpulo vão de baixos a médios e tendem a ser de origem inglesa, porém essa origem não é obrigatória para o estilo. 

Um pouco diferente das inglesas, as americanas têm aromas e sabores de lúpulo em níveis mais elevados, de médio a muito alto. Variedades americanas de lúpulo são comumente usadas, mas também não são obrigatórias para o estilo (Guia BA, 2018; Guia BJCP, 2015).

O Guia BA (2018) registra o fato de que o diacetil é aceitável em baixos níveis, porém nunca necessário. Já o Guia BJCP (2015) destaca que essas cervejas podem ter alguma turbidez a frio (chill haze).

3.2 Comparação entre Barley Wine e outros estilos

As Barley Wines são cervejas extremas, principalmente em razão do seu perfil maltado e da presença de álcool. 

No entanto, suas características também podem estar presentes em outros estilos de cerveja. 

A Tabela 2 mostra a comparação dos parâmetros das Barley Wines com outros estilos de cerveja que também tem um perfil maltado e com presença de maiores níveis de álcool (Guia BA, 2018). 

Já a Tabela 3 cita as principais características que podem diferenciar esses estilos com relação às Barley Wines, tomando como base a versão inglesa.

EstiloDensidade InicialDensidade FinalABVIBUEBC
English Barley Wine1.085-1.1201.024-1.0288,5%-12,2%40-6522-40
American Barley Wine1.090-1.1201.024-1.0288,5%-12,2%60-10022-36
Doppelbock1.074-1.0801.014-1.0206,6%-7,9%17-2724-60
Eisbock1.074-1.1168,6%-14,3%26-3330-100
Strong Ale1.060-1.1251.014-1.0407%-11,3%30-6516-42
Old Ale1.058-1.0881.014-1.0306,3%-9,1%30-6524-60
Scotch Ale1.072-1.0851.016-1.0286,6%-8,5%25-3530-60
Imperial Red Ale1.080-1.1001.020-1.0288%-10,6%55-8520-34
Wheat Wine1.088-1.1201.024-1.0328,5%-12,2%45-85>10
Tabela 2 – Parâmetros conforme o Guia BA 2018

ESTILOPRINCIPAIS CARCATERÍSTICAS COMPARADAS ÀS ENGLISH BARLEY WINES

Doppelbock
Tem características maltadas menos complexas, com menos caramelo. Tem menos amargor, deixando sobressair ainda mais as características maltadas. Possui perfil de fermentação mais limpo, sem a presença de ésteres.

Eisbock
Menor amargor, deixando sobressair ainda mais as características maltadas e maior dulçor residual. Possui perfil de fermentação mais limpo, sem a presença de ésteres.
Strong AleTem características maltadas menos complexas e menor intensidade de álcool.

Old Ale
Menor intensidade de álcool. Maior presença de características do envelhecimento, principalmente em madeira. Pode ter características ácidas ou de fermentação por Brettanomices.

Scotch Ale
São menos amargas e menos alcoólicas. Tem presença um pouco maior de maltes tostados e pode apresentar leves toques de defumado.

Imperial Red Ale
Equilíbrio tendendo muito mais ao lúpulo. Possui semelhanças com as American Barley Wines, mas com base maltada menos complexa e, em geral, menos álcool.

American Barley Wine
Tem maior ênfase no lúpulo do que as versões inglesas, tanto no aroma como no sabor e no amargor, porém sem perder o destaque das características maltadas.

Wheat Wine
Também possui o equilíbrio tendendo ao malte, mas com menos ênfase no lúpulo com relação às American Barley Wines. Tem presença significativa do trigo e menos presença de toffee e caramelo.
Tabela 3 – Principais características de comparação
Leia também sobre RAUCHBIER E A TRADIÇÃO CERVEJEIRA ALEMÃ 

4.0 Ingredientes e processos de produção de Barley Wine

Os ingredientes e os processos utilizados na fabricação de um estilo de cerveja são a chave para se obter o perfil de aromas e sabores desejados. 

A utilização de processos tradicionais e ingredientes de mesma origem do estilo da cerveja muitas vezes são vistos como essenciais para a reprodução de um estilo, mas o mais importante é ter em mente quais características se deseja para a cerveja e, com base nisso, escolher os ingredientes e determinar os processos.

Além dos ingredientes tradicionais de qualquer estilo de cerveja, ou seja, os maltes e adjuntos, os lúpulos, o fermento e a água, nas Barley Wines também é importante considerar a influência do tempo, sem o qual não é possível se obter determinadas características.

4.1 Maltes e adjuntos

Assim como em grande parte das cervejas ale, nas Barley Wines o malte pale ale é a principal fonte de fermentáveis. São necessárias quantidades bem maiores de malte que em cervejas regulares para se obter as elevadas densidades iniciais, ainda mais considerando o fato de que a diminuição da relação água/malte tende a reduzir a eficiência do processo.

Convém ainda a utilização de maltes altamente modificados, de modo a gerar a maior quantidade possível de açúcares fermentáveis. Maltes pale ale de duas fileiras são uma boa escolha. Os maltes pale ale ingleses, em geral, possuem aromas e sabores mais complexos que seus equivalentes de outros países e são uma excelente escolha para as Barley Wines (Allen, 1998).

Maltes especiais também podem ser utilizados, mas devem ser mantidos em pequenas proporções. O uso de grande quantidade de maltes especiais pode levar a uma grande quantidade de açúcares complexos ou não fermentáveis na cerveja e como consequência um dulçor enjoativo (Allen, 1998 e Daniels, 2000).

Vale destacar também que elementos do processo de fabricação, como uma fervura mais longa e o tempo de condicionamento irão contribuir para a complexidade dos aromas e sabores do malte, diminuindo, em contrapartida, a necessidade do uso de maltes especiais.

Uma fervura por tempo mais longo irá aumentar os aromas e sabores do malte através da caramelização dos açúcares, sendo até mais efetivo que o uso de maltes especiais do tipo cristal. Quanto maior o tempo de fervura, maior a caramelização, maior a formação de melanoidinas3 e maior o aumento de cor (Allen, 1998).

Em Allen (1998) se recomenda o uso de no máximo 15% de maltes especiais no total de grãos e, em Daniels (2000), se recomenda uso de 10% a 15%.

Os maltes especiais mais utilizados são: os maltes crystal, que trazem cor, dulçor e corpo para a cerveja; maltes munich, que trazem um pequeno aumento de cor e aumento do aroma e do sabor de grãos; e maltes carapils ou cara clair, que trazem um pouco de corpo e contribuem na formação e retenção de espuma (Allen, 1998 e Daniels, 2000).

Também é comum a utilização de adjuntos fermentáveis para se conseguir atingir as elevadas densidades originais. O ideal é que esses adjuntos sejam adicionados sem impactar os aromas e sabores da cerveja. Em Allen (1998), se recomenda utilizar extrato de malte, compondo no máximo 40% dos fermentáveis. Se forem utilizados açúcares não derivados de malte de cevada, como milho ou arroz, se recomenda não ultrapassar 15% dos fermentáveis.

4.2 Lúpulos

Apesar de ser uma cerveja mais adocicada, os lúpulos são parte importante da receita, de modo a equilibrar com o dulçor expressivo do malte. A interpretação americana ganha cargas extras de lúpulos nacionais, trazendo mais amargor e os aromas cítricos e picantes característicos.

Como muitas vezes, para conferir amargor, são utilizadas grandes quantidades de lúpulos no início da fervura, convém evitar os que possuem grande quantidade de cohumulone, pois pode resultar em um amargor mais áspero (harsh) (Allen, 1998 e Strong, 2010). 

Usar lúpulos com uma quantidade mais alta de alfa-ácidos também ajuda a reduzir a quantidade de massa vegetal na fervura e diminui a possibilidade de percepção de sabor vegetal (Strong, 2010). Um exemplo de lúpulo com essas características é o Magnum, que possui elevado teor de alfa-ácido (~15%) e baixos níveis de cohumulone (~25%) (Allen, 1998).

As variedades de lúpulos adicionados mais ao final da fervura, na busca de sabor e aroma, dependem mais do estilo de Barley Wine que se busca. 

Não há regras nem restrições, mas, em geral, para Barley Wines mais tradicionais ao estilo inglês, é comum utilizar lúpulos como Fuggle, Challenger ou East Kent Golding. 

Nas versões americanas, são muito usados lúpulos como Cascade, Columbus, Centennial, Tomahawk, entre outros. Também é comum nas versões americanas a utilização de dry hop, em quantidades na faixa de 2g a 4g por litro (Allen, 1998).

4.3 Levedura

A fermentação da Barley Wine é provavelmente a etapa mais difícil do processo de fabricação já que há vários aspectos a serem observados.

Como em qualquer cerveja, a primeira tarefa é escolher uma cepa de fermento adequada. Obviamente no caso das Barley Wines, deve ser uma cepa tolerante a altos percentuais de álcool. Também se deseja um perfil intermediário de ésteres, não tão intensos quanto os produzidos por cepas de fermento belga.

Como as densidades iniciais das Barley Wines são muito elevadas, a densidade final também tende a ser elevada. Assim, é necessário que o fermento utilizado também tenha atenuação elevada, em geral, de pelo menos 75%. Se forem pouco atenuadas, as Barley Wines podem ficar com residual doce muito elevado, desequilibrado.

Outro fator a ser levado em consideração é a floculação do fermento. Se for muito floculento, pode também deixar muito açúcar residual. Geralmente os fermentos com maior atenuação são menos floculentos.

As escolhas mais comuns são cepas inglesas mais atenuantes e cepas americanas. Alguns exemplos são cepas atenuantes e relativamente neutras como Nottingham, US-05 e TeckBrew-10. Cepas inglesas que geram um pouco mais de ésteres, como S-04 e TeckBrew-07, também são interessantes, mas nesse caso é necessária uma atenção especial com a elevada floculação desses fermentos.

Há ainda cervejeiros que utilizam duas cepas de fermentos diferentes na mesma fermentação: primeiro uma cepa com maior foco nos aromas e sabores e, depois, uma segunda cepa, mais tolerante ao álcool para finalizar a fermentação.

Vale ressaltar que mesmo utilizando uma cepa bem tolerante ao álcool na segunda inoculação, o ambiente do mosto já é hostil às novas leveduras, pois já há álcool e não há mais oxigênio. Desta forma, a segunda inoculação deve ser feita sempre  com células de levedura em excelentes condições e já em atividade.

Uma boa oxigenação do mosto também é muito importante. Em White (2010) se recomenda a concentração de 10ppm a 15ppm de oxigênio dissolvido no mosto, o que, em geral, só se obtêm com a injeção de oxigênio puro.

A quantidade de levedura necessária para uma cerveja de densidade inicial mais alta também é muito maior. 

Para cervejas regulares, com densidade inicial na faixa de 1,052 (~13oP), é comum utilizar taxas de inóculo de 0,75 milhões de células por ml por grau plato (White, 2010). 

Já para o caso de cervejas como as Barley Wines, de densidade inicial na faixa de 1,100 (~24oP), chega a se utilizar o dobro da taxa de inóculo, ou seja, 1,5 milhões de células por ml por grau plato. Considerando que as Barley Wines têm o dobro da densidade inicial das cervejas regulares, usar o dobro da taxa de inóculo pode resultar em utilizar até quatro vezes mais levedura do que em uma cerveja regular (Strong, 2010).

4.4 Água

A composição da água utilizada na fabricação também influencia no resultado final da cerveja. Como as Barley Wines são cervejas intensas do ponto de vista de malte, álcool e lúpulo, talvez a água tenha uma influência menor do que o restante dos ingredientes (Allen, 1998).

Ainda assim, um perfil adequado da água pode contribuir em vários aspectos, como, por exemplo, melhor clarificação proporcionada pelo cálcio e realce na sensação de maciez e dulçor proporcionados pelos íons de cloreto.

Alguns cervejeiros tentam reproduzir o perfil de água da região de origem do estilo, Burton-on-Trent. No entanto, esse perfil de água tem uma quantidade elevada de minerais, muitos dos quais acima das quantidades máximas recomendadas (Bru’n, 2018). Desta forma, convém utilizar um perfil de água para as Barley Wines com menos sais, como o mostrado na Tabela 4.

Cálcio [ppm]Magnésio [ppm]Sódio [ppm]Cloreto [ppm]Sulfato [ppm]Bicarbonato [ppm]
Água de Burton275402535610270
Máximo recomendado1503010010035050
Sugestão de perfil para Barley Wine80515806535
Tabela 4 – Perfis de água

4.5 Processos

O processo geral de fabricação de uma Barley Wine é muito similar ao da maioria das cervejas ale. A utilização de uma grande quantidade de malte para se atingir as elevadas densidades iniciais pode ser um desafio ao cervejeiro.

Em geral, pode-se realizar a mostura com uma infusão simples, em temperatura que favoreça a atuação das beta-amilases e a formação de açúcares mais fermentáveis. Daniels (2000) e Strong (2010) recomendam a mostura na faixa dos 65ºC a 66ºC.

A fervura é importante na formação da melanoidinas, que dão cor e complexidade à cerveja, além de contribuir com o processo de envelhecimento e ajudar na obtenção das elevadas densidades iniciais. Em geral, utiliza-se uma fervura de pelo menos 90min (Strong, 2010). Em Allen (1998), recomenda-se a fervura por cerca de duas horas, evitando passar de três horas. Em Dawson (2014) são citadas fervuras de até quatro horas.

As Barley Wines também carecem de uma fermentação mais longa, de forma que as leveduras possam atenuar as elevadas densidades e ainda reabsorver todo o diacetil gerado. É comum fermentações com duração de duas ou mais semanas (Strong, 2010 e Daniels, 2000).

Por fim, o armazenamento a frio é necessário e ajuda a precipitar proteínas e outras substâncias não desejadas, contribuindo com a melhora da cerveja. Em Allen (1998), recomenda-se uma maturação a frio, entre 1ºC e 4ºC, de cerca de 90 dias antes do envase.

4.6 Envelhecimento

Tempo é um elemento importante nas Barley Wines, pois algumas características muito interessantes da cerveja só aparecem com ele.

As Barley Wines, em especial das versões inglesas, têm uma excelente afinidade com o envelhecimento, o que as torna um dos estilos mais presentes em adegas de guarda.

As características maltadas, acentuadas pela fervura tipicamente mais longa, trazem uma grande quantidade de melanoidinas, que com a oxidação ao longo do envelhecimento se transformam em aromas e sabores complexos, como o de xerez e vinho do porto (Dawson, 2014).

Mas a oxidação dos componentes do malte também pode se dar de forma negativa, pela reação do oxigênio com os ácidos graxos, que leva a formação do componente trans-2-nonenal, tipicamente percebido como papelão. 

Dawson (2014) cita um estudo que mostra a influência da temperatura nesse processo: cervejas armazenadas à temperatura de 30ºC apresentaram de forma predominante a característica de papelão, enquanto em cervejas armazenadas a 20º predominaram as características de dulçor e caramelo.

Também são características do estilo as elevadas densidades finais, com quantidades consideráveis de açúcares residuais. Esses açúcares ajudam a sustentar o corpo da cerveja ao longo do tempo de envelhecimento, quando as proteínas tendem a precipitar e a cerveja perde corpo (Dawson, 2014).

Os ésteres frutados e os álcoois superiores formados durante a fermentação também têm papel importante no envelhecimento. Ao passo que os ésteres se desenvolvem e oxidam, novos ésteres mais complexos são formados, como os com características de frutas escuras e frutas secas. Os álcoois superiores, por sua vez, também reagem com ácidos presentes na cerveja e se transformam em aldeídos, com aromas mais doces, como toffee e caramelo (Dawson, 2014), o que resulta na diminuição da percepção desagradável desses álcoois.

A intensidade da presença de álcool também afeta o processo de envelhecimento, primeiro por ajudar a manter um ambiente estável do ponto de vista microbiológico, evitando a proliferação de microrganismos indesejáveis. 

Outro ponto é que o álcool também retarda o processo de oxidação, permitindo que os aromas e sabores agradáveis se desenvolvam. Em Dawson (2014), recomenda-se teor alcoólico de no mínimo 8% para cervejas que serão envelhecidas4.

Já os principais efeitos do envelhecimento sobre o lúpulo são a redução do aroma e do amargor. 

A oxidação dos alfa-ácidos do lúpulo presentes na cerveja pode trazer características como a de papelão e de isovalérico, este último percebido como queijo podre ou lúpulo velho. A exceção são os beta-ácidos do lúpulo, que quando sofrem o processo de oxidação se convertem em compostos que trazem amargor, e podem compensar de certa forma a perda de amargor dos alfa-ácidos (Dawson, 2014). 

Os lúpulos ingleses têm, em geral, características de menor relação alfa/beta ácidos do que as variedades americanas, o que torna as English Barley Wines mais resistentes ao envelhecimento.

Apesar de o envelhecimento poder contribuir com o surgimento de características positivas nas cervejas, mais tempo não é sinônimo de mais qualidade. 

Os mesmos processos de oxidação que trazem aromas e sabores complexos, também são responsáveis pela sua decomposição e por arruinar uma cerveja. O efeito do tempo depende de muitos fatores e ainda não pode ser tratado como uma ciência exata.

Como a temperatura também influencia muito nesse processo, é importante armazenar as cervejas de forma adequada. 

Allen (1998) indica a faixa dos 10ºC aos 16ºC, o que coincide com a recomendação feita por Dawson (2014) de armazenar as cervejas em temperaturas inferiores às temperaturas típicas de fermentação.

Em Allen (1998) é feita a observação de que a maioria das Barley Wines melhora com até um ou dois anos de envelhecimento, algumas envelhecem bem por até oito ou dez anos e somente poucas conseguem passar dos dez anos sem que características ruins comecem a aparecer.

Também em Allen (1998) se observa que Barley Wines mais lupuladas, no estilo americano, tendem a envelhecer melhor do que Barley Wines menos lupuladas no primeiro ano, podendo ir bem até o terceiro. Após esse período, as cervejas mais lupuladas começam a ficar desbalanceadas, enquanto as menos lupuladas parecem ficar melhores, e ainda se beneficiam do envelhecimento.

Dawson (2014) descreve experimentos sensoriais realizados na busca de percepções sobre o envelhecimento de cervejas. Cita degustações de um mesmo rótulo com diferentes datas de fabricação, com até dez anos consecutivos. Na sua experiência, as English Barley Wines bem feitas envelhecem bem por um período de até seis a oito anos; alguns exemplos são capazes de atingir de dez a quinze anos; e versões excepcionais podem envelhecer bem por até 50 anos.

Ainda segundo Dawson (2014), as American Barley Wines, em geral, se beneficiam de um envelhecimento de até um ano, em função das suas características mais voltadas ao lúpulo e em especial às variedades americanas de elevado teor de alfa- ácido.

Atualmente, as cervejarias adotam uma variedade de estratégias para preparar suas Barley Wines para os consumidores. 

Barley wines que serão vendidas mais jovens tendem não ser tão intensas no álcool (~9%) e, em geral, passam um ou dois meses armazenadas nos tanques de inox ou nas garrafas antes de serem vendidas, de modo a arredondar o sabor e a percepção de álcool. 

Barley wines do estilo americano podem se beneficiar da estratégia de armazenamento em tanques de inox, de modo que o dry hop pode ser feito ao final do tempo de armazenamento e a cerveja chega ao consumidor com aroma fresco e intenso dos lúpulos.

Barley wines que serão vendidas após algum processo de envelhecimento tendem a ser mais alcoólicas. 

Nessas cervejas, é comum que o envelhecimento seja feito na própria garrafa, por um ou dois anos, antes de disponibilizá-las para venda. Também é relativamente comum que esse tipo de cerveja seja armazenado em barris de madeira, geralmente os já utilizados em outros tipos de bebida, como o vinho. Após um ou dois anos, a cerveja pode ir diretamente dos barris de madeira para as garrafas ou então ser misturada (blended) com uma cerveja jovem, dependendo das características desejadas.

Com relação à validade, geralmente as cervejas trazem na garrafa uma informação de referência para atender a legislação específica de cada país, mesmo que a cerveja possa envelhecer por mais tempo. Algumas cervejarias destacam os aspectos de guarda de suas cervejas, sugerindo armazenamento por até 20 anos.


5.0 Cervejarias e cervejas referências do estilo

Mesmo sendo um estilo de características intensas, as Barley Wines são relativamente populares e há uma grande quantidade de exemplares sendo produzidos no mundo todo, incluindo o Brasil.

Na Inglaterra, a Thomas Hardy Ale é um exemplo clássico e tem uma história interessante. A cervejaria Green Dragon Brewery foi fundada em 1837 por Sarah Eldridge, que era contemporânea do escritor Thomas Hardy. Em 1968, já sob o nome de Eldridge Pope Brewery, a cervejaria recebeu uma encomenda de produzir uma cerveja especial em comemoração aos 40 anos da morte do escritor. A inspiração veio de uma das obras de Thomas Hardy, que em seu livro The Trumpet Major (A trombeta maior), descreveu a cerveja local Dorchester Ale: 

“Era da mais bela cor que o olho de um artista poderia desejar em uma cerveja; encorpada, mas viva feito um vulcão; pungente, mas sem ser agressiva; luminosa como um pôr do sol de outono; livre de irregularidades no sabor; porém, no fim das contas, bastante inebriante” (Oliver, 2012).

A Thomas Hardy Ale foi produzida de 1968 a 1999. Utilizava somente malte pale ale e tinha densidade inicial na faixa de 1,125, amargor de 75 IBU e usava lúpulos Challenger, Golding e Northdown. Os cervejeiros usavam uma fervura mais longa para ganhar cor e diziam que utilizavam fermento lager. Tinha 12% de álcool, era maturada em barris de carvalho de xerez por 9 meses e tinha a fama de poder ser guardada por 25 anos. Posteriormente, O’Hanlons voltou a fazê-la de 2003 a 2008, mas já não era a mesma cerveja (Allen, 1998).

J.W. Lee’s Vintage Harvest Ale é uma cerveja de 11,5% de teor alcoólico e considerada referência das modernas Barley Wines inglesas de cor escura. Foi feita pela primeira vez em 1985 e é repetida anualmente, sempre utilizando malte pale ale maris otter e lúpulo East Kent Goldings (J.W. Lees, 2018).

A Fuller’s Golden Pride também é uma referência das Barley Wines inglesas e de cor mais clara. É fabricada em Londres utilizando ainda o sistema de retirar cervejas de diferentes densidades do mesmo mosto. O mosto mais denso dá origem à Barley Wine Golden Pride e os mostos de menor densidade dão origem a cervejas mais leves como a London Pride e a Chiswick (Allen, 1998).

Na Itália, a cervejaria Baladin, do cervejeiro Teo Musso, fabrica a Xyauyu, uma Barley Wine que passa por um processo de macro oxigenação com oxigênio puro por até um ano e mais um processo de envelhecimento de até dois anos. O resultado é uma cerveja sem carbonatação, flat, mas extremamente complexa. Como a cerveja já foi oxidada, ela pode ser servida em doses, abrindo e fechando a garrafa por até um ano (Baladin, 2018).

A americana Anchor Old Foghorn foi a primeira American Barley Wine e continua sendo uma das principais referências do estilo. Utiliza maltes pale ale e crystal e é lupulada apenas com Cascade. Tem densidade inicial de 1,100 e 65 IBU. 

A também americana Sierra Nevada Bigfoot é outro exemplo clássico, com um caráter ainda mais voltado para o lúpulo.

A cervejaria Mikkeller, que tem sede na Dinamarca, também fabrica uma American Barley Wine, a Big Worse. Essa cerveja leva lúpulos nugget, cascade e centennial, além de uma adição de candy sugar para ajudar a atingir a elevada densidade inicial (Mikkeller, 2018).

No Brasil, muitas cervejarias produzem os estilos, tanto as English Barley Wines como a American Barley Wines. Dentre elas, se destaca a Bodebrown Hair of the Bode, que é uma Barley Wine colaborativa e inspirada na cervejaria americana Hair of the Dog, especializada em cervejas fortes e envelhecidas. 

A Barley Wine da Bodebrown é envelhecida por 12 meses na garrafa e contabiliza 50 IBUs. Também tem uma versão envelhecida por 15 meses em barris de carvalho utilizados previamente por vinhos da uva carmènere. Diz-se que essas cervejas envelhecem bem por até 20 anos (Bodebrown, 2018).

Outro destaque é a English Barley Wine da cervejaria Lohn, premiada no World Beer Awards 2018 como vencedora da categoria no Brasil. A cerveja matura por 60 dias em tanques de inox e depois é envelhecida por 15 meses em barris de madeira (Lohn, 2018).

No estilo americano de Barley Wines, a cervejaria Antuérpia ganhou medalha de ouro no Festival Brasileiro de Cerveja de 2018 com sua Velvet, que significa “aveludada” (Antuérpia, 2018).

A Tabela 5 mostra o resumo das cervejas citadas.

CervejaCervejariaCidade/PaísEstiloABV (%)IBU
Thomas Hardy’s AleThomas Hardy BreweryWarrington, InglaterraEnglish Barley Wine11,7
Harvest AleJ. W. LeesMiddleton, InglaterraEnglish Barley Wine11,5
Golden PrideFullersLondres, InglaterraEnglish Barley Wine8,5
XyauyuBaladinFarigliano, ItáliaEnglish Barley Wine12
Old FoghornAnchorCalifórnia, EUAAmerican Barley Wine9,5
BigfootSierra NevadaCalifórnia, EUAAmerican Barley Wine9,6
Big WorseMikkellerCopenhague, DinamarcaAmerican Barley Wine12
Hair of the BodeBodebrownCuritiba, BrasilEnglish Barley Wine11,550
Barley WineLohnLauro Müller, BrasilEnglish Barley Wine9,560
VelvetAntuérpiaMatias Barbosa, BrasilAmerican Barley Wine1260
Tabela 5 – Exemplos de Barley Wines


6.0 Harmonização com Cerveja Barley Wine

As Barley Wines têm afinidades esplêndidas com comida. Por ser mais densa do que propriamente refrescante, requer pratos que combinem com tal intensidade.

Barley Wines clássicas, principalmente as envelhecidas, vão muito bem com cordeiro, javali selvagem ou foie gras. São carnes suficientemente robustas para a cerveja não as dominar.

Queijos intensos e condimentados também formam bons pares com o estilo.

As variedades mais doces são ótimas opções para acompanhar sobremesas como crème brûlée e crepe de doce de leite.

Barley Wines também vão bem com momentos, aquele fim de noite de frio aconchegante, sozinho em pensamentos ou acompanhado de uma boa conversa sobre o destino do mundo. Até aquele charuto guardado com carinho para uma ocasião especial ganha um bom par, com força e complexidade para não se apagar ao seu lado.


7.0 Considerações Finais

O artigo apresentou uma descrição completa do estilo Barley Wine, desde a sua história, suas características, ingredientes, processos e de como essas cervejas podem se beneficiar com o envelhecimento.

Foi apresentado também um comparativo do estilo Barley Wine com outros estilos de cerveja, que podem ter características semelhantes, como a base maltada e força alcoólica, de forma a se identificar as principais características que os une e que os diferencia.

Em função das características sensoriais das Barley Wines, seus aspectos de fabricação, suas características de guarda e, como consequência, seu preço mais elevado, as Barley Wines não são cervejas consumidas no dia a dia. São cervejas especiais, consumidas em ocasiões especiais.

A sua produção nas cervejarias também é especial, comumente com séries limitadas, datadas e numeradas, de modo a enaltecer a cultura da guarda e incentivar a apreciação da sua evolução ao longo do tempo. Definitivamente uma cerveja que vale a pena!

>> Confira a apresentação desse artigo científico pelo aluno André Tochetto em nosso canal do YouTube!

NOTAS

1 Curso de Master em Estilos – Escola Superior de Cerveja e Malte. Blumenau – SC. Julho 2008. E-mail: [email protected]

2 Na Inglaterra é mais comum usar a grafia do estilo como sendo Barley Wine e nos Estados Unidos é mais comum escrever Barleywine. A legislação dos Estados Unidos da América (EUA) não permite que as cervejas utilizem apenas o termo Barleywine, pois pode confundir os consumidores. Lá, as cervejas devem usar o termo Barleywine Style Ale.

3 Compostos formados quando açúcares e aminoácidos se combinam, através da reação de Maillard, a temperaturas em torno de 100oC, resultando em uma cor mais escura e aromas e sabores característicos de biscoito, casca de pão e nozes.

4 Há outros fatores além do álcool que permitem o envelhecimento de uma cerveja, como, por exemplo, a presença de acidez ou a presença de fenóis.

REFERÊNCIAS

  1. Allen,F.; Cantwell, D.; Classic Beer Style Series – Barley Wine: History, brewing techniques and recipes; Brewers Publications, 1998.
  2. Steele, M.; Brewing Techniques, Recipes and Evolution of India Pale Ale; Brewers Publications, 1998.
  3. Daniels, R.; Designing Great Beers – The Ultimate Guide to Brewing Classic Beer Styles; Brewers Publications, 2000.
  4. Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines; 2015.
  5. Strong, G.; All about barleywines; Zymurgy Magazine; Dezembro de 2010.
  6. Oliver, G.; A mesa do Mestre-Cervejeiro; Editora Senac, São Paulo, 2012.
  7. Brewers Associations 2018 Beer Style Guidelines; 2018.
  8. White, C., Zainasheff, J.; Yeast – The Practical Guide to Beer Fermentation; Brewers Publications, 2010.
  9. Bru’n Solutions – Water and wastewater solutions for the brewing industry; https://brunsolutions.com/; acessadoem19.6.2018.
  10. Dawson, P.; Vintage Beer: A Taster’s Guide to Brews That Improve Over Time; Storey Publishing, 2014.
  11. Site da cervejaria J.W. Lees; https://www.jwlees.co.uk; acessado em 19.6.2018.
  12. Site da cervejaria Baladin; www.baladin.it; acessado em 19.6.2018.
  13. Site da cervejaria Mikkeller; www.mikkeller.dk; acessado em 19.6.2018.
  14. Site da cervejaria Bodebrown; www.bodebrown.com.br; acessado em 19.6.2018.
  15. Site da cervejaria Lohn; www.lohnbier.com.br; acessado em 19.6.2018.
  16. Site da cervejaria Antuérpia; www.cervejariaantuerpia.com.br; acessado em 19.6.2018.
* As opiniões expressas pelos alunos e ex-alunos da Escola Superior de Cerveja e Malte em artigos e entrevistas publicados nesse blog, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da ESCM.

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