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Barrel Aging: o uso da madeira na fabricação da cerveja

Para as cervejas de guarda, ela é considerada o quinto ingrediente da bebida.

Ao lado da água, malte, lúpulo e levedura, a barrica de madeira é o elemento decisivo no aporte de aromas à cerveja envelhecida.

Por isso, para a cerveja que passa pelo barrel aging, a escolha do barril é fundamental.

E você? Sabe exatamente como o barril interfere no perfil sensorial da cerveja? Tem ideia de como escolher a barrica certa para cada estilo de cerveja?

Foi pensando nos cervejeiros que querem apostar na produção dessas cervejas não convencionais, que a Escola Superior de Cerveja e Malte convidou Mickael Santos*, especialista em tanoaria, para falar sobre barris de madeira em um webinário que foi transmitido ao vivo, diretamente de Portugal, lá em nosso Canal do YouTube.

Nesse artigo, compilamos parte do conteúdo transmitido no webinário e o dividimos com você que quer aprender mais sobre os perfis aromáticos das barricas e sobre o uso de chips de madeira na fabricação de cerveja.

Boa leitura!

Barricas de Madeira para cerveja: usar novas ou usadas?

Segundo Mickael Santos, na Europa, não é usual usar barricas novas para maturação de cerveja. 

Isso porque, quando novo, o barril é um produto muito agressivo para a cerveja. Em geral, apresentam um tanino bastante forte, uma característica que, em princípio, não é usual buscar em uma cerveja.

Por outro lado, para cervejas de guarda que passam por um tempo de maturação bastante longo, as barricas novas podem ser usadas sem medo.

Os produtores de Lambic, por exemplo, utilizam barris novos. Lembrando que aqui falamos de grandes volumes, de tonéis de 5, 6, 10 mil litros, ou seja, onde a superfície de contato e o efeito da madeira na cerveja é menor.

No entanto, para uma maturação mais rápida e mais controlada, o ideal é fazer uso de barris usados, ou “regenerados”, como denomina Mickael.

Esses barris regenerados foram usados majoritariamente na fabricação de vinho tinto. Eles são desmontados, raspados em suas quatro faces, remontados e retostados. 

Mesmo passando por esse processo de “regeneração”, por já terem sido utilizados, eles possuem características mais neutras e um toque muito mais leve de tosta do que uma barrica nova, o que é ponto positivo para um barrel aging de cerveja. 

Assim, quando se opta por uma barrica regenerada não há o mesmo receio de quando se utiliza uma barrica nova, em que se marca muito uma cerveja e obriga o cervejeiro a fazer um blend em um tanque de inox para equilibrar o perfil sensorial da cerveja.

Em barris regenerados é possível fazer lotes de cerveja envelhecidas 100% em barricas.

Isso também porque, no caso de uma barrica regenerada, o tanino é muito mais macio já que ele já exauriu a sua força ao longo dos primeiros anos de utilização para fazer vinho ou whisky. 

Além de todos esses pontos positivos, as barricas regeneradas ainda pesam menos no bolso do cervejeiro: são cerca de 3 vezes mais baratas que uma barrica nova.

barrica de madeira
Barricas usadas chegam a ser 3 vezes mais baratas

Como se forma o Perfil Aromático das Barricas de Madeira?

Segundo Mickael, o perfil aromático de uma barrica é formado por três variantes: a origem da madeira, a secagem da madeira e o tratamento térmico do barril.

Confira algumas características de cada uma dessas fases.

A Origem da Madeira

Para sabermos qual o buquê aromático irá portar um barril de madeira, o primeiro passo é saber de qual tipo de madeira estamos falando. Se é Carvalho ou Castanho, por exemplo; de qual país vem a madeira; de qual floresta ela foi extraída. 

Ou seja, as características naturais da madeira são elementos que influenciam nas notas aromáticas que ela portará à bebida. Continue a leitura: mais à frente, voltamos a esse ponto!

A Secagem da Madeira

Leva-se tempo até que uma barrica de madeira esteja pronta para receber uma cerveja ou qualquer outra bebida para maturar.

Para utilizar a madeira na tanoaria é preciso que ela seja seca durante dois ou até três anos, a depender do tipo de madeira.

Essa secagem é fundamental para criar uma madeira útil para se usar em bebidas, tanto em forma de barris, como em forma de chips.

Nessa etapa, a madeira é cortada e colocada para secar ao livre. Ao início, a madeira possui entre 70 e 40 por cento de umidade relativa. No final da secagem, esse percentual fica entre 14 e 17 por cento de umidade.

Esse processo é fundamental, porque, quando se produz um barril com essa madeira seca,  temos a certeza de que, quando o barril for receber uma bebida para maturar, não irá sofrer mudanças físicas e químicas. 

Relativamente aos processos físicos ocorridos nos barris durante a secagem, temos:

  • o decréscimo da umidade, como já mencionado acima; 
  • a degradação de compostos que formam a estrutura da madeira, como a celulose, hemicelulose e a lignina;
  • a degradação do que é chamado lixiviação dos taninos. A degradação destes componentes faz com que os taninos verdes sejam removidos durante a secagem.

Já em relação aos processos químicos, a secagem é responsável:

  • pela degradação de compostos fenólicos;
  • por adquirir compostos provenientes do local de secagem, o que é chamado Terroir da secagem. 

Quanto a este último aspecto, é importante saber que o local onde acontece a secagem interfere diretamente nas características da madeira. Cada região possui condições atmosféricas que conferem propriedades distintas às madeiras submetidas à secagem.

Quando a madeira é seca em temperaturas mais amenas e constantes, com ventos atlânticos e próxima ao litoral, a madeira ganha uma salinidade e uma estrutura diferente do que uma madeira seca em Bordeaux, na França, onde, há neve no inverno e altas temperaturas no verão.

Essa é uma das razões pelas quais há muitas marcas de barris, muitas marcas de tanoarias e porque há pessoas que preferem uma barrica à outra.

O Tratamento Térmico da Barrica

O fator mais importante para o perfil aromático advindo da madeira está na forma em como é feita a tostagem do barril. 

A tosta é um processo em que a parte interior do barril é queimada sutilmente, sempre com controle do binômio tempo X temperatura, os dois fatores responsáveis pela potencialização das características aromáticas do barril.

Conforme esses fatores são alterados, o resultado aromático também se altera.

Assim, em uma tostagem que inicia a alta temperatura, acima de 200ºC, e depois passa a uma temperatura menor e constante teremos um resultado diferente de uma barrica em que a tostagem é feita a uma temperatura que vai sendo aumentada gradualmente e finalizada ao atingir os 200ºC.

E isso, por quê?

Porque na tostagem, o que é feito, é degradar certos compostos e formar outros. A celulose e a hemicelulose vão formar lactonas e furanos e a parte da lignina vai produzir fenólicos voláteis como, por exemplo, a vanilina, que é o aroma característico da baunilha; ou certas lactonas, que conferem, por exemplo, o aroma de coco.

Então, para se buscar essas notas, de baunilha, coco, pão torrado, especiaria ou mesmo para buscar notas mais intensas de taninos, será preciso mexer no tempo e na temperatura de tostagem.

Esses dois elementos da tosta, portanto, irão mudar a composição química do barril e é isso que permitirá a transferência do buquê aromático da madeira à cerveja quando a bebida repousar na barrica. 

Por isso, todas essas mudanças físico-químicas que ocorrem em um barril durante a sua fabricação em uma tanoaria são fundamentais ao perfil sensorial que queremos agregar à nossa cerveja barrel aged.

Quais são os tipos mais comuns de Madeira para o Barrel Aging?

Os principais exemplos de madeiras utilizadas para o barrel aging, especialmente na Europa, são:

  • Carvalho francês: dentre os tipos de carvalho, é o mais neutro. Confere um aroma muito ligeiro à bebida. É o barril que preserva mais o sabor da bebida em si. É interessante para ser usado em Sours, em cervejas muito leves e cervejas lupuladas em que se quer conservar o amargor e o aroma do lúpulo.
  • Carvalho americano: o carvalho americano já marca bastante a bebida. Tem notas fortes de baunilha, coco e caramelo. Confere um toque bastante doce. É mais utilizado em vinhos em que se quer dar mais aroma e em destilados em que se quer ressaltar esse adocicado. Nas cervejas, é o barril mais utilizado para fazer Imperial Stouts e Porters envelhecidas.
  • Carvalho português: tem um buquê com bastante especiaria, bastante pimenta. Pode ser muito interessante para certos estilos de cerveja em que se queira ressaltar essas notas. O único cuidado a se ter aqui, segundo Mickael, é em razão da presença dos taninos. O carvalho português possui um caráter mais selvagem, com tanino bastante agressivo, que marca bastante a bebida.
  • Castanho: é uma madeira muito porosa, ou seja, a micro-oxigenação é muito rápida nesse barril. A cerveja oxida muito rápido. E é por isso que é uma madeira muito utilizada nas Lambics, onde se requer um recipiente em que haja essa respiração. 
  • Acácia: os barris de acácia tem buquês aromáticos muito distintos e são leves em relação aos taninos. Eles transferem um buquê aromático muito floral que podem ser bem interessantes para cervejas leves ou lupadas. 
  • Cerejeira: o barril feito com cerejeira dá um toque aromático de frutos vermelhos, com tanino leve. Pode ser interessante para utilizar em Barley Wines e Grape Ales, em que se mistura mosto de uva com mosto de cerveja, dando um toque mais vínico à cerveja.

Portanto, como visto, dependendo do tipo de madeira, vamos ter características diferentes e, por isso, na hora de escolher um barril para utilizar no barrel aging é preciso ter noção de qual tipo de influência aromática queremos conferir à cerveja.

barrel aging
Carvalho francês é uma boa aposta para cervejas lupuladas

Dicas para fazer uma boa escolha e utilizar adequadamente os barris de madeira

Várias bebidas são maturas em madeira.

Algumas bebidas são regidas por legislação que determinam o tipo de barril a ser utilizado na sua produção. 

O whisky escocês, por exemplo, só pode ser maturado em barris usados. Já o whisky Bourbon só pode ser maturado em barricas novas de carvalho americano.

Para a  cerveja não há nenhuma limitação em relação ao tipo de barrica a ser utilizada: é possível usar qualquer tipo de barrica para maturar as cervejas.

Mas isso é na teoria. Na prática, de acordo com o Mickael, é preciso ter algumas regrinhas em mente para fazer barrel aging com cervejas de forma adequada. Anote!

Bom Senso: antes de escolher uma barrica, é preciso saber o que esperar da cerveja. Nem todas as cervejas são boas para envelhecer, nem todas as barricas servem para qualquer cerveja.  

Não devemos utilizar uma barrica de vinho branco para envelhecer uma Imperial Stout; nem um barril de whisky que tem um grande teor alcoólico (a barrica absorve o líquido e acaba preservando esse álcool na sua estrutura) para cervejas em que se pretenda fermentar em barrica. Nesse caso, o teor alcoólico acaba diminuindo o potencial da levedura e da fermentação em si.

Barricas mais neutras, mais vínicas são ideias para fermentar cervejas nos barris.

Nas cervejas com bastante estrutura, ao contrário, a barrica com alguma presença de álcool pode ser uma boa ideia.

Escolha bem as barricas: a grande parte das barricas do mercado apresentam defeitos químicos e aromáticos. Portanto, conheça o fornecedor, a sua origem, se estão em boas condições ao nível físico e aromático. Se a barrica é regenerada, tente descobrir a quanto tempo foi utilizada, para quais bebidas e a há quanto tempo está em desuso. Da mesma forma que o cervejeiro se preocupa com a qualidade do malte e da levedura, é preciso ter esse mesmo rigor de escolha na hora de escolher o barril.

Paciência: quando se quer envelhecer cerveja em barril, deve-se saber de antemão que não pode haver pressa para que essa cerveja seja comercializada. São cervejas em que se busca um outro perfil aromático e para isso é necessário tempo. Algumas cervejas podem adquirir características ideais em algumas semanas de maturação; outras, podem levar anos. É fundamental ir provando. 

Aumentar o tempo de vida do barril: para conservar as barricas, a dica mais importante é utilizá-las! O pior que pode acontecer ao barril é deixá-lo vazio. Portanto, o ideal, segundo Mickael é planejar a produção de novos lotes logo que o barril for esvaziado. Caso contrário, o melhor a fazer é lavar bem a barrica com água quente, deixar secar bem e guardá-la em lugar úmido, ventilado e fresco.

Aduelas e chips: alternativas aos Barris de Madeira

Até agora falamos apenas dos barris de madeira para a maturação da cerveja, mas muitas cervejas “wood aged” nunca viram uma barrica!

Os aromas de madeiras podem ser infundidos na bebida através de pellets, chips e aduelas, o que é muito interessante na fabricação de cerveja.

E o motivo principal é que, na maturação feita em barril, é muito difícil conseguir reproduzir a mesma cerveja. Já com o uso desses métodos alternativos, alcança-se uma padronização facilmente.

A única questão, lembra Mickael, é que todos esses métodos devem ter o mesmo cuidado das madeiras usadas nos barris, ou seja, com o mesmo rigor do processo de secagem e de tosta feita em tanoarias.

Não, não é possível pegar a madeira na natureza sem qualquer critério para ser usada na cerveja. A madeira deve ser certificada e submetida aos processos de secagem e tosta adequados.

Outra vantagem desses métodos alternativos em relação ao barril é que eles permitem criar perfis aromáticos muito mais complexos. Nos chips a secagem é feita em forno, com um controle muito maior de tempo e temperatura, criando-se aromas bem específicos, o que é mais difícil alcançar nas barricas.

Algumas gamas de tosta bastante utilizadas em chips de madeira são:

  • Hivanilla: rico em baunilha, coco e doces
  • Complex: confere aroma de especiarias, frutos secos e caramelos
  • Moka: café com leite, chocolate preto e pão torrado

Segundo Mickael, na hora de colocar os chips ou aduelas na cerveja – se o fornecedor não for de extrema confiança – o ideal é prepará-los.

Há quem recomende fervê-los antes da sua utilização, mas Mickael não é favorável a essa prática “porque uma fervura irá tirar muito do perfil aromático das aduelas e dos chips”. 

Para ele, a melhor maneira de sanitizar esses pedaços de madeira é imergi-los em vodka ou outro destilado neutro e deixá-los secar para tirar todo o perfil alcoólico. Se o cervejeiro preferir, pode mesmo deixá-los sem secar por completo, se quiser doar um pouco de álcool à cerveja.

Esses pedaços de madeira podem ser utilizados mais de uma vez, até três ou quatro vezes, preservando ainda boas características aromáticas.

E aí? Pronto para usar madeira como ferramenta para criar cervejas diferenciadas e interessantes?

Se você ficou interessado e quer saber mais sobre o uso da madeira na produção de cerveja, assista ao webinar completo, transmitido diretamente de Portugal, com o especialista em tanoaria Mickael Santos.

Você descobrirá ainda qual o tempo de vida de um barril, a temperatura ideal de maturação em barril, os cuidados especiais na hora de higienizar os barris de madeira e muito mais.

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*Mickael Santos é formado em bioquímica e química elementar, com foco em química de bebidas. É Mestre em bioquímica e química de alimentos, Doutor em Química, especializado em química do vinho, pela Universidade de Aveiro. É o atual Diretor comercial da Tanoaria J. Dias & CA, de Portugal.

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