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Plantar Lúpulo no Brasil: as suas dúvidas respondidas

O lúpulo é uma planta trepadeira originária do hemisfério norte e que apresenta melhor desenvolvimento em regiões de alta latitude, onde o período de luminosidade solar é maior.

Nesse cenário, até pouco tempo atrás, o cultivo Humulus lupulus L. no Brasil era impensável.

Mas graças a pesquisadores e entusiastas nacionais da produção de lúpulo, esse panorama tem se alterado e os resultados têm sido surpreendentes.

Apesar de algumas dificuldades climáticas, hoje já é possível a aplicação de técnicas que proporcionam melhores condições de desenvolvimento da cultura no Brasil.

Para compreendermos melhor como funciona o cultivo dessa espécie estrangeira em solo brasileiro e tirar as dúvidas mais comuns entre os que querem plantar lúpulo, a ESCM conversou com Stéfano Gomes Kretzer, Eng. Agrônomo, Mestre em Agroecossistemas Agrícolas (UFSC), consultor para o Ministério da Agricultura (IICA/MAPA) em fomento a cadeia produtiva do lúpulo no Brasil e professor do Curso de Aprofundamento em Lúpulo da ESCM.

Fundador da Lúpulo do Vale, com atuação em mais de 5 estados brasileiros em consultorias e produção de lúpulos de alta qualidade desde 2016, ele respondeu aos principais questionamentos sobre o plantio de lúpulo no Brasil

Confira!

ESCM: Professor, até pouco tempo atrás, não existia cultivo de lúpulo no Brasil. Acreditava-se que a planta não cresceria em solo brasileiro, pela nossa condição climática.

Quais as maiores dificuldades encontradas pelos agricultores para fazer o lúpulo se desenvolver por aqui? Onde se produz lúpulo no Brasil?

SK: Nós sempre tivemos uma condição climática e de solo boas para o plantio de lúpulo. O principal fator que interfere na produtividade e na qualidade do lúpulo é o fotoperíodo. O que nós não temos no Brasil é um fotoperíodo adequado. Por isso que diversas iniciativas estão trabalhando com suplementação luminosa e uso de hormônios para conseguir interferir nessa questão de sensibilidade ao fotoperíodo da planta. Esse é o principal dos fatores que interferia antigamente e hoje ainda interfere no plantio.

Eu vejo que as principais iniciativas de cultivo de lúpulo no Brasil que estão tendo boa produtividade, boa qualidade, são iniciativas que estão trabalhando com suplementação luminosa, que favorecem bastante o desenvolvimento do lúpulo, independentemente da região do país. Em algumas regiões conseguimos mais de uma safra e outras em que conseguimos apenas uma safra. 

ESCM: Nessa linha, quais seriam as condições ideais – o melhor solo e melhor clima – para o plantio de lúpulo?

SK: Em relação ao solo para cultivo de lúpulo, quanto mais leve, melhor. Solos arenosos e com maior teor de matéria orgânica facilitam o desenvolvimento das raízes e da própria planta. Já em relação ao clima, o que acontece é que em climas mais quentes nós temos mais de uma safra por ano e em climas mais frios, temos apenas uma.

flores de lúpulo cultivados no Brasil
Lupulina, o ouro verde da indústria cervejeira. | Foto: Stéfano Kretzer

ESCM: Como o interessado em iniciar a plantar lúpulo deve escolher o local adequado para o cultivo?

SK: O principal ponto é ver se quem quer investir já tem alguma área disponível para o cultivo. Nesse caso, é preciso analisar in loco se essa área é propícia ao cultivo, de acordo com as condições anteriores. Outra opção é  encontrar um local próximo ao seu acesso, que tenha possibilidade de cultivo, que não tenha nebulosidade e que não tenha um clima muito hostil em relação a frio e vento.

ESCM: Quais as variedades da planta – com maior potencial para utilização na fabricação da cerveja – que melhor tem se adaptado ao nosso clima tropical?

SK: Hoje nós temos mais de trinta e três cultivares de lúpulo diferentes registrados no Brasil, ou seja, há vários cultivares disponíveis no mercado. Em geral, trabalhamos com mais de um cultivar. 

Comet é um cultivar que vem se desenvolvendo bem, também Saaz, Sorachi Ace, Chinook, etc. 

Mas cada região do país têm cultivares que têm maior potencial, de acordo com a situação local. Eu creio que o mais importante é focar em cultivares que tenham maior característica aromática, isso facilita bastante a questão da comercialização. Esses cultivares apresentam maior valor agregado e é isso que viabiliza o cultivo do lúpulo.

ESCM: E o lúpulo que vem sendo cultivado no Brasil é de boa qualidade? Ou ainda deixa muito a desejar quando comparado ao produto importado?

SK: Sim, a gente vem atingindo qualidade fantástica, até acima dos lúpulos importados.

Por exemplo, o lúpulo Comet, chegamos a produzi-lo com 15% de alfa-ácido, 3 – 4 mL de óleo total; Saaz chegando a 7% – 8% de alfa-ácido; Cascade chegando a 9%-10%, já cheguei a ver análise com 12% de alfa-ácido e assim por diante. Chinook, com 13%; Nugget, com 15%. Então estamos, sim, conseguindo lúpulo com altíssima qualidade. O que eu ainda vejo que é um gargalo da nossa produção é que aqui temos disponíveis lúpulos que são relativamente um pouco mais velhos, que são livres no comércio, que não possuem patente, não se pagam royalties por esse cultivar. 

Cultivares como Citra, por exemplo, nós não temos no Brasil, porque esses cultivares mais novos tem proteção de patente. Mas sim, estamos conseguindo atingir, em diversas regiões do país, qualidade altíssima nos nossos lúpulos.

ESCM: O mercado cervejeiro nacional olha com preconceito para o lúpulo brasileiro ou está aberto a testar as “variedades” plantadas no Brasil?

SK: Ainda há uma pequena restrição em relação ao lúpulo nacional. Isso porque, há alguns anos, havia diversas cultivares que não eram as cultivares certas, então elas não atingiam a qualidade desejada e isso foi um ponto negativo para a produção nacional. 

Mas, em contrapartida, hoje já temos diversas cervejarias que estão produzindo cervejas com o lúpulo nacional e ganhando prêmios nacionais de melhor cerveja na categoria. Então, isso abre um potencial gigantesco. 

Eu sempre digo que depois que uma cervejaria usa um lúpulo nacional de qualidade, um lúpulo que tem o seu laudo, que tem essa comprovação de qualidade do lúpulo atestada por laboratórios especializados – como o próprio laboratório da ESCM, por exemplo, –  eles se apaixonam. 

Se apaixonam porque o lúpulo brasileiro com procedência, com análise, tem um diferencial, tem um terroir nacional, tem uma qualidade muito boa. Como dissemos antes, vários lúpulos nacionais vêm se destacando.

laboratório de análise de lúpulo da Escola Superior de Cerveja e Malte
A ESCM possui laboratório especializado em análises químicas do lúpulo

ESCM: E como plantar lúpulo, professor? O ideal é que o plantio seja feito por semeadura, por rizoma ou por estacas? Por qual razão?

SK: Hoje, no Brasil, 100% dos viveiros trabalham com mudas por propagação via estaquia, porque é uma das maneiras mais fáceis de propagar o lúpulo, garantindo 100% do material genético do material mãe.

ESCM: É fácil encontrar mudas de lúpulo no Brasil? Ou é preciso importá-las? Quais os cuidados deve-se ter na hora de escolher as mudas?

SK: Encontrar mudas de lúpulo hoje no Brasil já está bem mais fácil. Já existem vários viveiros espalhados pelo Brasil. O que a gente sempre deve procurar é por um viveiro idôneo, que tenha mudas de qualidade, mudas de procedência. É importante verificar o histórico do viveiro com algumas pessoas que já tem conhecimento em relação ao assunto para selecionar mudas sem doença que é o principal detalhe na hora de fazer a escolha das mudas.

plantação de lúpulo no Brasil
Plantação de lúpulo | Foto: Stéfano Kretzer

ESCM:  E quando plantar lúpulo? Qual a melhor época?

SK: Como o Brasil é bastante extenso, com diferentes tipos de clima, o momento do cultivo pode sofrer alguma variação. Mas, a grosso modo, a melhor época para plantar lúpulo é na primavera, do início ao meio da primavera, ou seja, entre setembro e novembro.

ESCM: Quanto tempo leva para produzir lúpulo? Quanto demora para colher as primeiras flores? A planta floresce apenas uma vez ao ano?

SK: Supondo que o plantio é feito no período adequado, entre setembro e outubro, que é quando começa a aumentar a temperatura na maioria das regiões do país, quando começa aumentar o fotoperíodo, nesse caso, o ciclo está girando em torno de 110 a 140 dias, de acordo com a cultivar. Ou seja, a cultivar “A” pode ter um ciclo de 110 dias enquanto a cultivar “B” pode ter um ciclo de 140 dias. Então demora esse tempo – que é variável de acordo com a cultivar – para a gente colher as primeiras flores depois do plantio. 

Em relação ao ciclo de cultivo, na região sul do Brasil, especialmente nas regiões mais frias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, geralmente, consegue-se uma safra só. Em regiões mais quentes consegue-se até duas, duas safras e meia por ano, com uso de suplementação luminosa.

ESCM: Falando em produtividade, por quanto tempo a planta permanece produtiva? É possível estimar quantos quilos produz um pé de lúpulo por safra?

SK: Dados históricos internacionais dos principais países produtores têm relatos de plantas de lúpulo produzindo por 15, até mais de 20 anos. A ideia é de que no Brasil seja assim também, mas como em vários locais há mais de uma safra por ano e a gente só tá começando – não há plantas com mais de 5 anos -, ainda é incerto. Não se pode afirmar qual é a vida útil de uma planta de lúpulo.

Em relação à  produtividade por planta, isso é variável de acordo com a maturidade da planta. Ou seja, ela vai ficando adulta ao longo dos anos. No 4º ano por aí, a gente tem plantas adultas atingindo o seu auge de produção. Então, quando a planta de lúpulo atinge a fase adulta, há uma variação de 150 até 500 gramas por planta por safra.

O lúpulo é uma cultura com alto valor agregado, ou seja, tem um rendimento por hectare – em relação a retorno financeiro – altíssimo. É um dos maiores retornos quando comparado a outras culturas agrícolas.

Stéfano Kretzer

ESCM: Como é a manutenção da lavoura? É preciso necessariamente investir em iluminação artificial? Há algum tipo de poda especial na planta do lúpulo? 

SK: É obrigatória a utilização da irrigação, por gotejamento, principalmente. A iluminação artificial não é 100% obrigatória, mas para aumentar a viabilidade do cultivo é bem importante colocar a luz, pelo fato do lúpulo ser uma planta muito sensível ao fotoperíodo. Então é bem interessante investir em irrigação e suplementação luminosa. Quanto à poda, há vários tipos que devem ser feitos ao longo do cultivo, como desbrota, poda de raiz e podas de ramas sobressalentes.

suplementação luminosa em plantação de lúpúlo no Brasil
Plantação de lúpulo com suplementação luminosa | Foto: Foto: Stéfano Kretzer

ESCM: E em relação às pragas e doenças, quais são as mais comuns nos cultivos brasileiros? 

SK: A gente tem diversas pragas e diversas doenças. A grosso modo, tudo o que atinge as lavouras de soja e de uva, também acomete os cultivos de lúpulo. 

ESCM: Falando sobre colheita, como se colhe o lúpulo? É preciso de maquinário específico ou a colheita deve ser feita de forma manual?

SK: Em relação à colheita do lúpulo é bem interessante que se tenha maquinário para ser feita a colheita, porque o custo de operação, o custo de mão de obra para fazer a colheita manual acaba sendo muito elevado. Então, é muito importante que quem vai começar a produzir lúpulo, comece a pensar na parte da colheita que é um dos gargalos da produção.

Professores Stéfano e Duan Ceola na colheita de lúpulo em SC | Foto: Foto: Stéfano Kretzer

ESCM: Qual o investimento inicial estimado para começar o cultivo de lúpulo? É possível ter uma pequena extensão de área cultivada e ter uma produção financeiramente viável? 

SK: O lúpulo é uma cultura com alto valor agregado, ou seja, tem um rendimento por hectare – em relação a retorno financeiro – altíssimo. É um dos maiores retornos quando comparado a outras culturas agrícolas.

Porém, um dos detalhes principais é que o seu custo de investimento inicial também é alto. 

Hoje, para começar a cultivar um hectare de lúpulo, por exemplo, falamos no valor médio de R$150.000 a R$200.000 para fazer a implantação de um hectare de lúpulo.

Em relação a pequenas áreas, sim, é viável, mas tem que ser muito bem elaborado. Muito bem elaborado porque quanto menor a área, menor a viabilidade para fazer investimento em maquinários.

Além disso, geralmente, o que acontece com pequenas áreas é que o produtor não consegue atender uma cervejaria de médio porte, durante o ano inteiro, por exemplo.

Isso acaba sendo um gargalo de produção pelo fato da dificuldade em uma pequena área conseguir atender à demanda de uma cervejaria.

Então, o que eu costumo dizer é que, para ter uma viabilidade do cultivo de lúpulo em pequenas áreas, é sempre interessante que tenha um grupo de produtores que se reúnam para conseguir comprar em conjunto os maquinários para a colheita e conseguir atender à demanda de uma cervejaria. 

ESCM: Temos visto um crescimento no número de interessados em plantar lúpulo nos últimos meses. Você acredita que há espaço para novos produtores de lúpulo no Brasil?

SK: O lúpulo é uma cultura que está apenas iniciando no Brasil, está começando a engatinhar, então tem um mercado gigantesco para ser atendido.

O número de cervejarias também está aumentando, dia após dia, e produzindo um lúpulo nacional de qualidade, nós temos um mercado gigantesco, tem margem absurda para aumentar a área de produção, aumentar a escala de produção e o número de produtores.

E esse aumento só tem a fortalecer o mercado nacional, para conseguirmos atender a demanda do nosso consumidor primário e secundário, ou seja, as cervejarias e, por fim, os consumidores, com produtos de melhor qualidade.

Se você também tem interesse em investir na produção desse insumo cervejeiro, no Curso de Aprofundamento em Lúpulo da ESCM um módulo inteiro é dedicado aos principais aspectos de como plantar lúpulo. Descubra todos os detalhes desse treinamento aqui.

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