Embora os comerciais de cerveja se valham de imagens de copos transbordando espuma rica, densa e cremosa, a prática nos bares é de que nem sempre é fácil educar os clientes sobre os méritos do colarinho alto.
Pense aí, você deve conhecer alguém que prefere beber cerveja “sem espuma”, não conhece?
Pois é. Apesar de a espuma ter um grande impacto visual na percepção a respeito da qualidade da cerveja, muitos consumidores ainda desconhecem exatamente qual é o seu papel.
E, como você deve supor, a espuma da cerveja não é apenas uma questão de aparência.
Gostando dela ou não, as bolhas da sua cerveja afetam o nível de carbonatação, o aroma e o sabor da bebida.
É isso e muito mais que você fica sabendo agora. Descubra a função da espuma na cerveja e outras questões curiosas sobre o tema.
Qual a importância da espuma da cerveja?
A espuma da cerveja possui mais funções e propriedades do que aparenta:
- Ela ajuda na percepção gustativa, influenciando a sensação de cremosidade na boca;
- É peça chave na liberação de aromas voláteis da bebida, aquelas notas de cevada inebriantes que chegam até o seu olfato e influenciam a sua percepção da bebida enquanto você se prepara para bebê-la;
- E o mais importante: é a espuma que preserva as características da cerveja, a medida que ela evita o contato do líquido com o oxigênio que prejudica o sabor final.
O que produz espuma na cerveja?
O segredo para a capacidade da cerveja de gerar espuma e reter a carbonatação está nos seus ingredientes. Cevada, lúpulo, trigo e muitas outras coisas naturalmente encontradas na natureza contêm um certo tipo de proteína que é altamente hidrofóbica.
Com pavor da água, essas proteínas se agarram às bolhas de CO₂ e formam um revestimento em cada uma delas. Conforme as bolhas sobem para o topo, elas se juntam gerando uma superfície de espuma no topo da cerveja.
Como dissemos, as principais classes de proteínas que ajudam a estruturar a espuma se originam na cevada maltada e em substâncias amargas que derivam do lúpulo.
Assim, quanto maior a concentração de CO₂, maior será a produção de espuma na cerveja. E quanto maior a proporção de malte e quanto mais amarga a cerveja, mais estável ela será.
Mas há um outro detalhe importante nessa história.
Como ensina Charles Bamforth, “a cerveja é, dentre outras coisas, uma solução supersaturada de dióxido de carbono e não irá formar espuma a menos que seja incentivada a isso pela agitação ou pela presença de sítios de nucleação de partículas na cerveja ou arranhões nos copos.”
Logo é preciso que haja alguma energia agitando a cerveja ou um local de nucleação para “gerar” a espuma.
Aqui nos referimos ao movimento de sacudir ou mexer a cerveja ao despejá-la no copo ou à retirada da cerveja de uma chopeira de pressão.
Usar copos com ranhuras na base também ajuda na formação das bolhas que sobem pelo copo e alimentam continuamente a espuma.
Do que é composta a espuma e quais as características de uma espuma ideal?
Ao colocar cerveja em um copo, as bolhas de CO₂ se movem em direção à superfície e se enriquecem de substâncias com atividade superficial (formadoras de espuma), sendo, portanto, o líquido transportado com as bolhas até a espuma.
A espuma da cerveja é constituída por:
- A bolhas em si (gás Nitrogênio ou Gás Carbônico);
- Superfície de bolhas (surfactantes*): polipeptideos; glucopéptidos; resinas do lúpulo;
- Líquido entre as bolhas;
- Cerveja.
*Surfactante - é um termo que, literalmente, significa agente de atividade superficial. Surfactantes ou tenso ativas são substâncias que têm a capacidade de alterar as propriedades superficiais e interfaciais de um líquido, reduzindo sua tensão.
Em relação às suas características, é preciso que se diga: a qualidade da espuma varia de acordo com o estilo da cerveja a ser degustada. Alguns terão uma espuma abundante e persistente, enquanto outros terão naturalmente uma espuma mais rala e instável.
Quando a cerveja não faz espuma, tem algo de errado com ela?
Como vimos, a espuma é um importante parâmetro para aferir a qualidade da cerveja, mas a sua ausência não significa necessariamente que a cerveja é imbebível.
Na verdade, há muito mais problemas com a espuma da cerveja pela utilização de louças sujas, engorduradas ou mal enxaguadas do que por defeito da cerveja em si.
Dentre as causas mais frequentes da falta de qualidade na espuma da cerveja estão:
- pH elevado da cerveja;
- a presença de lipídios introduzidos no processo;
- a presença desses lipídios como parte de alimentos consumidos juntamente com a cerveja;
- detergentes que não tenham sido adequadamente enxaguados do copo.
Além disso, o álcool também é um componente que inibe a formação de espuma e por essa razão as cervejas muito fortes tendem a apresentar menor estabilidade de espuma.
E a cerveja que apresenta muita espuma, isso pode ser sinal de defeito?
Se você já abriu uma lata ou garrafa de cerveja e viu a espuma crescer feito espuma de sabão, você se deparou com o fenômeno que chamamos de gushing.
A ocorrência do transbordamento é sinal de que o gás carbônico foi rapidamente liberado e isso pode ser dar por diferentes razões, dentre as principais estão:
- aplicação indevida de dióxido de carbono;
- excesso de açúcar no priming (que é um método de carbonatação) em cervejas refermentadas em garrafa;
- cervejas produzidas com malte defeituoso, oriundo de cevada úmida;
- presença de íons metálicos, tais como ferro, níquel e estanho ou de oxalato de cálcio, composto derivado das cascas dos grãos usados na fabricação da cerveja;
- superfície áspera no interior da garrafa;
- contaminação em razão de lavagem e enxágue inadequados das garrafas antes do enchimento.
Apesar do gushing poder estar relacionado com defeito de fabricação, a sua causa mais comum está no erro de manuseio, quando a garrafa é agitada indevidamente antes de abrir.
Portanto, a menos que a sua intenção seja comemorar no melhor estilo piloto de Fórmula 1, deixe a sua cerveja quietinha e a manipule com delicadeza na hora de servir.
Há um jeito certo para servir cerveja que preserve a espuma?
Há um jeito de fazer o serviço que preserva a carbonatação e evita a espuma excessiva.
O ideal é inclinar o copo primeiro e despejar a cerveja lentamente pela lateral. Quando o copo estiver ⅔ cheio, você deve voltar o copo na posição em pé e despejar no centro do copo até atingir a borda.
Mas se você é fã de um colarinho bem generoso, pode despejar a cerveja diretamente no fundo do copo, sem enrolação.
E quanto de espuma é ideal?
Regra geral, dois dedos de colarinho é uma boa medida para preservar a qualidade da cerveja e evitar a liberação do CO₂.
Retenção da espuma da cerveja: como alcançar?
Por mais persistente que seja a espuma, ela começa a se desfazer logo depois que se forma, já que o gás vai sendo liberado no ar à medida que as bolhas estouram.
É por isso que os cervejeiros trabalham duro para conseguir que as suas cervejas apresentem boa retenção de espuma.
Isso inclui escolher maltes de boa qualidade e ricos em proteínas, assim como utilizar lúpulos cujos alfa-ácidos ajudem a manter as bolhas unidas.
Além disso, em alguns casos, são adicionados estabilizadores de espuma como o alginato de polipropileno glicol.
Outros fabricantes introduzem nitrogênio para promover uma espuma mais estável e densa e o exemplo mais icônico é a da Guinness. Dentro das suas latinhas há uma cápsula propulsora de nitrogênio que tem a função de compactar as bolinhas de gás da cerveja, levando todo o gás para o colarinho, tornando-o denso e bem, bem cremoso.
Por outro lado, se os fabricantes têm seus truques para manter a espuma da cerveja, você também pode – e deve – ter os seus.
Primeiro, limpe seus lábios engordurados de frango a passarinho antes de se aproximar do copo. Mulheres, evitem batom e homens, aparem seus bigodes. Qualquer indício de gordura no copo ou nos lábios é prova cabal de assassinato da espuma.
Além disso, a temperatura também é importante, pois pode afetar o tamanho e a uniformidade da bolha, que geram a sensação agradável na boca.
A espuma varia de acordo com o estilo da cerveja, mas, como regra geral, gelada e a temperatura ambiente oferecem a experiência ideal do ponto de vista da espuma de cerveja. Portanto, certifique-se de servir sua cerveja sempre na temperatura indicada pelo fabricante.
Leia também: Temperatura da cerveja: qual e a ideal?
O que faz a espuma ficar cremosa?
Como vimos, a qualidade da espuma em qualquer copo de cerveja é o resultado de muitos fatores:
- como a cerveja foi preparada;
- os ingredientes usados;
- o nível de carbonatação;
- o teor de proteínas no líquido;
- a pressão no processo de fermentação;
- o acondicionamento da cerveja;
- a temperatura da bebida na hora do serviço;
- o copo em que é servida e como a cerveja é servida.
Portanto, se você tiver degustando uma cerveja com espuma densa e cremosa, pode comemorar: todos os astros cervejeiros se alinharam para te entregar esse troféu.
Qual cerveja espuma mais?
A quantidade de espuma varia conforme o estilo de cerveja e a carbonatação.
As cervejas de trigo tradicionalmente ostentam os colarinhos mais impressionantes.
Por outro lado, cervejas com alto teor de álcool, como barley wines e imperial stouts, têm muito menos, pois o álcool inibe a formação de espuma.
A maioria das ales e lagers se enquadra em algum lugar no meio desses dois extremos.
O que faz a espuma da cerveja ser branca?
A cor da espuma é o produto da luz refletida e da cor da cerveja.
As bolhas que formam a espuma são tão numerosas e pequenas que refletem e espalham a luz, em vez de absorvê-la.
Mesmo que uma bolha de espuma individual seja transparente, o reflexo e a dispersão da luz dão à espuma uma aparência branca.
Aproximadamente 20% da camada de espuma é composta de cerveja presa entre as bolhas. Se ela for de cor clara, não afetará a aparência da espuma branca. No entanto, se a cerveja for uma cerveja escura, a espuma pode assumir uma coloração em um tom de creme.
Aí está, sabendo que a espuma é fundamental para a manutenção do aroma e do sabor da cerveja, agora você já tem argumentos para convencer o seu amigo a tomar aquela gelada com dois dedos de colarinho.
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Fontes: A mesa do Mestre-Cervejeiro” de Garrett Oliver, “Larousse da Cerveja” de Ronaldo Morado e “O Guia Oxford da Cerveja” por Charles Bamforth