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Rauchbier e a Tradição Cervejeira Alemã

Rauchbier

Uma cerveja tão tradicional quanto contemporânea: é assim que podemos definir a Rauchbier, a cerveja produzida com maltes defumados, a partir do estudo feito pela Sommelierè de Cervejas e aluna do curso de Master em Estilos da ESCM*, Fernanda Meneses de Miranda Castro1.

No artigo científico de autoria da aluna publicado abaixo, você terá a oportunidade de mergulhar no mundo da cerveja típica da cidade de Bamberg e descobrir como surgiu o estilo alemão, a razão do seu nome e a evolução da sua história durante os anos. 

Sob a orientação da professora, sommelierè e Engenheira Química, Fernanda Meybom Machado2, a pesquisa revela, ainda, as características técnicas da Rauchbier, seus métodos de produção e as matérias-primas que entram na sua composição.

De bônus, você aprende, ainda, o passo-a-passo da produção da Rauchbier, segundo a receita da cervejaria alemã Schlenkerla, uma das principais representantes do estilo.

Já pode abrir a sua Rauchbier: você descobre agora tudo sobre a icônica smoked beer alemã.


A RAUCHBIER E A TRADIÇÃO CERVEJEIRA ALEMÃ

Resumo

A cerveja estilo Rauchbier é típica da cidade alemã de Bamberg, na região da Francônia. Rauch significa fumaça em alemão e a cerveja ganhou esse nome por ser produzida a partir de maltes defumados. Assim, o objetivo desta pesquisa foi apresentar um estudo sobre este estilo de cerveja. Pretendeu-se também descrever como surgiu o estilo, região, história, nome, evolução ao longo dos anos; apresentar as características técnicas da cerveja, os métodos de produção e matérias-primas e, por fim, descrever inovações e pesquisas tecnológicas que envolvem a Rauchbier. Para tanto, foi realizada uma pesquisa descritivo-exploratória e bibliográfica. A pesquisa concluiu que a principal importância da Rauchbier é preservar a tradição de cervejas alemãs no que tange as questões históricas, geográficas e culturais.

Palavras-chave: cerveja, educação cervejeira, escolas cervejeiras, estilo de cerveja, escola alemã, Rauchbier.

INTRODUÇÃO

A cerveja é uma das bebidas mais consumidas no mundo. Os registros do momento da sua criação não são exatos, desse modo, acredita-se que ela surgiu de maneira acidental, por mulheres que também produziam pães com os mesmos cereais. Esta bebida está presente na alimentação humana desde 8000 A.C. e tem grande aceitação popular devido aos seus atributos sensoriais, junto com seus benefícios à saúde, valor nutritivo e diversidade de apresentação (BAMFORTH, 2009).

Ainda de acordo com Bamforth (2009), apesar de a cerveja ser uma bebida alcoólica bastante consumida, pouco se conhece sobre os benefícios dos seus componentes. Essas propriedades são devidas ao elevado teor de compostos antioxidantes, fibras, minerais e vitaminas (BAMFORTH, 2009).

Segundo Morado (2009), são diversas as possibilidades de combinar grãos de malte em suas distintas qualidades e intensidades de torrefação, flores de lúpulo e famílias de levedura com suas variações genéticas, gerando assim, diversos estilos de cerveja. Além disso, as receitas cervejeiras resultam das características geográficas e culturais das localidades onde elas são produzidas. Assim, somando a intervenção e a criatividade humana a essas combinações, têm-se os elementos que favorecem ao crescimento deste mercado. Atualmente, além do aumento e diversificação do consumo, existe um grupo de consumidores que tem se interessado em estudar a cerveja.

A história da cerveja é quase tão antiga quanto a história da humanidade. Contudo, algumas regiões no mundo dedicaram-se com mais afinco a produzir cervejas que acabaram consolidando características daquelas localidades, tanto em relação ao processo produtivo, como as especificidades geográficas e climáticas. Dentre estas regiões, a Alemanha (compreendendo também República Tcheca e Áustria), a Bélgica (além do norte da França e Holanda), as Ilhas Britânicas e mais recentemente os Estados Unidos, tinham, na cerveja, um ponto vital para o desenvolvimento das localidades.

Nesta condição, os cervejeiros dedicaram-se ao longo dos séculos para elaborar cervejas que repercutiram mundialmente no que tange as características específicas de cada região. Por esta razão, estas regiões desenvolveram estilos independentes, ou padrões de classificação de cerveja, que deram origem às escolas cervejeiras (BELTRAMELLI, 2014). Pode-se, portanto, definir escolas cervejeiras como regiões que produzem cervejas há um longo período, seguindo alguns critérios e parâmetros. São grandes nações que influenciaram a cerveja produzida no mundo todo. As grandes Escolas Cervejeiras são a Alemã, a Belga, a Britânica e a Americana, sendo a última a mais recente.

A Rauchbier, objeto de estudo desta pesquisa, pertence à Escola Alemã. De acordo com Morado (2009), a Alemanha contribuiu com respeito e seriedade à produção da cerveja. O autor relata que a Lei da Pureza3 de 1516 estabeleceu regras e limites para a produção que até então estava desorganizada. A cultura cervejeira, oriunda da estrutura camponesa desde a Idade Média, mantém as características da produção em pequenas cervejarias e o consumo próximo ao local da fabricação. A escola cervejeira alemã tem como principais características a eficiência, a qualidade técnica e a predominância dos estilos pertencendo à família das Lagers, tais como a Pilsen, Bock, Dunkel, Helles, Rauchbier e Schwarzbier.

Morado (2009) ainda afirma que o povo alemão é um consumidor exigente, visto que embora haja outras boas opções de produção, na concepção dos alemães, a cerveja ainda deve seguir a Lei da Pureza. Em função disso, o país importa menos de 5% (cinco por cento) do que consome. Outra característica marcante da Escola Alemã é a lealdade à sua cultura, especialmente à sua cerveja local, fato que ainda contribui para as microcervejarias resistirem à força das grandes corporações.

Desse modo, percebe-se a importância de pesquisas sobre o tema. A maioria dos trabalhos científicos sobre a cerveja está concentrada no seu processo produtivo, principalmente os estudos realizados pelas engenharias química e de alimentos que se debruçam em descrever as receitas e os processos de inovação tecnológica da bebida. Estudos sobre a origem histórica, escolas, estilos cervejeiros e a inserção mercadológica da cerveja ainda são incipientes.

A escolha do tema recaiu na importância histórica e na tradição desta cerveja. Uma característica peculiar da Escola Alemã é sua regionalidade: cada cidade alemã tem a sua cerveja típica. O estilo German Pilsen, primeira cerveja de cor dourada clara, das regiões de Pilsen e Boêmia; o estilo Dortmund Export, cerveja feita em contrapartida à Pilsen, com fins de exportação, da cidade de Dortmund; o estilo Alt, da cidade de Düsseldorf e o estilo Kölsh, da cidade de Colônia, são alguns exemplos desta peculiaridade. Na Alemanha, a identidade cultural é tão interligada com a cerveja local que qualquer nativo de Bamberg irá procurar a Rauchbier sempre que possível, independentemente do local onde esteja ou de quanto custe essa cerveja. 

Portanto, o objetivo desta pesquisa foi apresentar um estudo sobre o estilo de cerveja Rauchbier. Pretendeu-se também descrever como surgiu o estilo, região, história, nome, evolução ao longo dos anos, apresentar as características técnicas da cerveja, os métodos de produção e matérias-primas e, por fim, descrever inovações e pesquisas tecnológicas que envolvem a Rauchbier.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa descritivo-exploratória. De acordo com Gil (2012), a pesquisa descritiva expõe características de determinado fenômeno e não tem compromisso em explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. Ela geralmente ocorre quando se há pouco conhecimento acerca do tema a ser abordado. Segundo Gil (2012), a pesquisa exploratória é desenvolvida com o intuito de proporcionar uma visão geral acerca de determinado fato e é realizada quando o tema escolhido é pouco explorado. Geralmente, assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de caso.

No caso deste trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que, de acordo com Andrade (2002), é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.

Assim, este artigo é composto de seis seções. Esta introdução, com uma breve apresentação e contextualização do assunto; uma seção dedicada aos aspectos históricos da cerveja; outra, apresentando as características do estilo; os ingredientes e processo; as principais cervejarias e rótulos do estilo; propostas de harmonização e, por fim, as consideração finais, de caráter conclusivo.

2. A HISTÓRIA DA RAUCHBIER

A história da Rauchbier está intensamente vinculada à tradição cervejeira da escola alemã que, por poder utilizar apenas água, malte, lúpulo e levedura como ingredientes em função da Lei da Pureza, teve que expressar sua criatividade através da produção com leveduras de baixa fermentação, da conhecida família lager, e de diferentes torras de malte, assim como o seu blend (mistura). A partir dessa premissa, reunimos, nessa seção, o que os diversos autores relatam sobre a história deste estilo de cerveja.

Em meados do século XVII, a cidade de Bamberg, localizada na região da Francônia, no estado da Baviera, Alemanha, se destacou pela produção da Rauchbier, também conhecida como Smoked Beer ou cerveja defumada. Segundo Mosher (2017), antes do advento dos fornos de queima direta, todo o malte era esfumaçado ou seco no ar. Para este autor, existem evidências que em lugares como a Noruega, havia alguns fornos indiretos muito primitivos, contudo, devido às condições de produção da época, a maioria das cervejas europeias produzidas antes de 1700 tinham uma certa quantidade de fumaça da madeira usada para a torra do malte. Também existem evidências de que na maioria dos lugares, os produtores de cerveja descobriram como secar o malte sem deixar resquícios de fumaça.

Contudo, na região da Francônia do Norte, na Baviera, em Bamberg, os cervejeiros decidiram permanecer com a técnica de secamento do malte com uso de fumaça, sendo considerada o bolso da antiga cerveja defumada ou Rauchbier.

A Rauchbier e suas derivadas compartilham a história e perfil de sabor como o resto da tradição da cerveja bávara. A única diferença é a fumaça, proveniente da queima da madeira, geralmente faia, usada nos fornos para a secagem ou torra do malte. Elas são fabricadas em proporções variadas de malte defumado e não defumado para atingir o nível de defumação desejado. Vários tipos de cervejas são produzidas dessa forma, incluindo a Bock4 e Helles5, mas o estilo defumado mais comum é o Marzen6, cujo intenso sabor maltado fica à altura da defumação, conferindo um equilíbrio único a essa cerveja. (MOSHER, 2017).

Dornbusch (2015) afirma que a Rauchbier, quando foi criada, era considerada apenas uma cerveja comum, mas na atualidade é considerada uma especialidade local rara. O autor afirma que Rauchbier é termo alemão designado para a cerveja defumada que é associado principalmente à cidade de Bamberg. Ele ainda descreve o processo primitivo da torra do malte, resultando em uma cerveja com leve defumação. Para exemplificar, cita a turfa escocesa que, quando usada como combustível em fornos de malte, trazia características singulares aos maltes de uísque. Assim como a turfa está associada ao uísque, o sabor de fumaça está para a cerveja de Bamberg. A escolha da árvore para secar o malte também é uma característica específica, já que os cervejeiros da cidade sempre deram preferência a madeira de faia, que ao defumar o malte, o deixa com aroma e sabor frequentemente descritos como bacon.

Oliver (2012) conceitua a Rauchbier como uma cerveja do estilo alemão feita com malte defumado. O autor também enfatiza a popularidade do estilo na região que o criou (Francônia, especialmente em Bamberg e seus arredores). A sua descrição sobre a história da cerveja, ao contrário dos outros autores, não está centrada na madeira de faia utilizada na defumação do malte, e sim nos aspectos que envolvem os hábitos do consumo de cerveja em Bamberg e nas cervejarias que produzem o estilo.

Para ele, a cerveja Aecht Schlenkerla Rauchbier, de Brauerei Heller-Trum é provavelmente a melhor e mais conhecida marca. Ela pertence à cervejaria Schlenkerla, cujas torneiras ficam a apenas a 100 metros da catedral Romanesque de Bamberg. Seu relato sugere que a história da cerveja está associada a um alimento santo7 já que uma cervejaria próxima a uma igreja consegue atrair muitos turistas para tomar cerveja e comer.

O autor ainda descreve uma lenda associada ao surgimento do estilo. Segundo esta lenda, a Rauchbier foi originada em um mosteiro que foi incendiado, o que acontecia frequentemente nas cidades medievais. Como dizia a história, a maior parte do mosteiro foi destruída, mas parte da cervejaria, incluindo uma boa quantidade de malte, foi poupada. O malte, contudo, foi supostamente exposto à fumaça das proximidades do fogo e pegou um sabor especial, que fez a cerveja ficar famosa (OLIVER, 2012).

Oliver (2012) afirma que embora o conto seja interessante, provavelmente é uma “validade histórica”, ou seja, um boato que se perpetuou com o tempo. Para ele, era típico ter alguma fumaça no malte antes do surgimento de novos processos tecnológicos, mas, quando surgiram novas formas de produzir com atenção ao equilíbrio de aromas, o malte defumado era escolhido por aqueles que queriam se divertir com o sabor defumado, mas não queriam a intensidade da Rauchbier clássica.

Alworth (2015) também descreve a Rauchbier através da perspectiva da tradição alemã. Este autor se pergunta “por que algumas cervejas históricas sobrevivem por um longo tempo após serem extintas em qualquer outro lugar?” (ALWORTH, 2015, p. 476). Para ele, a resposta é atribuída ao perfil do consumidor de cerveja na Alemanha. Ao contrário de Oliver, que descreve a Rauchbier através da cervejaria Schlenkerla, Alworth a descreve a partir da sua experiência na cervejaria Spezial, também tradicional em Bamberg e remanescente do estilo no mundo.

O autor relata o cotidiano do apreciador de cerveja na cidade de Bamberg e o respeito à tradição cervejeira. Embora os clientes rotineiramente esperem ansiosos o horário da abertura da cervejaria, mesmo tendo conhecimento da demanda, a empresa não altera o horário de abertura. Isto porque, consumidores e cervejaria respeitam a tradição do horário de abertura, que reflete os hábitos do consumidor de cerveja alemão. Alworth (2015) ainda reforça seu entendimento ao relatar uma conversa com Matthias Trum, dono da sexta geração dos Schlenkerla, em relação à tradição cervejeira alemã: “Eles também nos defendem dos turistas que dizem: ah, esta é terrível, eu quero uma Pilsen. Eles (os clientes alemães) dizem: se quiserem uma Pilsen terão que ir a outro lugar, nós não temos aqui” (ALWORTH, 2015, p. 477, tradução livre).

Para este autor, a Rauchbier é uma cerveja secular que ainda preserva o processo de defumação do malte. Embora tenham surgido novos tipos de combustível para a torra do malte além da madeira, em Bamberg, Spezial e Schlenkerla continuaram a torrar o malte desta maneira, com madeira de faia.

Outro autor que se debruça sobre a Rauchbier é Dredge (2016). Para ele, o malte defumado é um sabor que remete a muitos séculos: “tínhamos uma onda de fumaça graças ao processo de secagem quando o malte era colocado sobre o fogo” (p. 164). O autor afirma que no século XXI, o processo era controlado e o malte defumado era comercialmente avaliado. Dredge (2016) também coloca que o Rauchbier é o clássico estilo defumado de Bamberg, na Alemanha, feito com malte defumado em madeira de faia, contudo, o compara ao aroma e sabor de salsichas defumadas, ao invés de bacon.

A partir da contextualização desses autores pode-se afirmar que a cerveja Rauchbier é um estilo histórico, da cidade de Bamberg, região da Francônia, estado da Baviera, Alemanha, que, assim como a escola cervejeira e a cidade que a originou preserva as características da Lei da Pureza Alemã e sua tradição, tanto na produção como no consumo. Surgiu em meados do século XVII, quando ainda não havia tecnologia para a produção e o método artesanal obrigava a maioria das cervejas a terem características de fumaça na torra do malte, já que, naquela época, ainda não existiam fornos modernos. Somente com a Revolução Industrial, quando metais passaram a ser utilizados em escala industrial, foi possível desenvolver técnicas de secagem que não dependiam nem do calor da energia solar, nem dos fornos defumadores. Ou seja, antigamente a maioria das cervejas tinha algo de defumado. Diversas cervejarias, por tradição, mantiveram-se usando maltes defumados, embora, hoje, sejam minoria, assim como os diversos estilos não possuem mais o defumado como característica.

Mesmo após o advento do forno e as novas tecnologias de produção, a cidade de Bamberg, especialmente as cervejarias Schlenkerla e Spezial, continuaram a produzir a cerveja com malte defumado de madeira de faia, perpetuando a história, tradição e hábitos de consumo, tanto que todos os autores pesquisados afirmaram que a Rauchbier e suas derivadas compartilham uma história e perfil de sabor com o resto da tradição da cerveja bávara. A única diferença é a fumaça, advinda da madeira, geralmente faia, usada nos fornos.

As Rauchbier são fabricadas a partir de várias proporções de nível de fumaça e consequente defumação. Vários tipos de cervejas são produzidas assim, incluindo Bock e Helles, mas o estilo defumado mais comum é o Marzen, cujo intenso sabor maltado resiste ao da defumação, conferindo um equilíbrio único a essa cerveja, como será visto na próxima seção.

3. CARACTERÍSTICAS DO ESTILO RAUCHBIER

Morado (2009) e Beltramelli (2014) caracterizam a Rauchbier essencialmente pela presença da madeira no seu processo produtivo. Beltramelli (2014) descreve a Classic Rauchbier – Smoked Beer como cervejas “escuras, acastanhadas, são muito famosas por seus maltes defumados que conferem à breja (sic) um inconfundível aroma de bacon” (p. 129). Morado (2009) inclui a Rauchbier no grupo das Smoke-Flavored, com intensa influência da madeira, que usa cereais defumados.

A Classic Rauchbier – Smoked Beer, para este último autor, utiliza parte do malte de sua produção seco através de um processo de defumação com madeira, imprimindo ao produto aroma e sabor defumados. Ele ainda afirma que a intensidade do caráter defumado deste estilo varia muito, “produzindo aromas e sabores diferentes, que variam do levemente queimado ao tostado parecido com bacon. A cor fica no espectro do âmbar-claro até o marrom” (p. 221). Para ele, a Rauchbier não é muito alcoólica ou amarga e é tão carbonatada quanto as lagers.

3.1 Parâmetros de acordo com os guias de estilo

Os principais guias de estilo utilizados como parâmetro para avaliar as características sensoriais das cervejas são o guia do Programa de Certificação de Juízes de Cerveja – Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines (Guia BJCP, 2015) e o guia da Associação de Cervejeiros dos Estados Unidos – Brewers Associations 2018 Beer Style Guidelines (Guia BA, 2018).

Já é sabido que a Rauchbier pode ser produzida a partir de vários estilos. Como fora colocado, para Mosher (2017) o estilo defumado mais comum é o Marzen, cujo intenso sabor maltado fica à altura da defumação, conferindo um equilíbrio único a essa cerveja. Portanto, nesta seção, os parâmetros apresentados são do estilo Rauchbier Marzen, em função da sua relevância, propagação e aceitação no mercado. O quadro 1 apresenta um comparativo dos principais parâmetros dos estilos nos dois guias.

Quadro 1 – Parâmetros das Rauchbier Marzen

ParâmetroGuia BAGuia BJCP
Cor (SRM)4-1512-22
Densidade inicial1.050-1.0601.050-1.057
Densidade final1.012-1.0201.012-1.016
Álcool (ABV)5,1%-6%4,8%-6%
Amargor (IBU)18-2520-30
Fonte: BA (2018), BJCP (2015).

As modernas receitas de Rauchbier das cervejarias que disputam premiações em concursos de cerveja devem ter o padrão da Brewers Association como referência, uma vez que esses são os parâmetros utilizados na maioria dos concursos internacionais.

De acordo com a tradução livre do Brewers Association Beer Style Guidelines (2018) tem-se o seguinte descritivo do estilo:

  • Cor: amarelo-claro a castanho-claro;
  • Brilho: deve ser brilhante, turbidez a frio não deve estar presente;
  • Aroma e sabor percebido do malte: aroma de malte tostado deve estar presente. Dulçor de malte tostado médio-baixo a médio deve estar presente. Aroma e sabor de fumaça de madeira de faia de muito baixo a médio. Sabores defumados devem ser suaves, sem harsh8. Equilíbrio entre os três elementos.
  • Aroma e Sabor de Lúpulo: muito baixo a baixo, lúpulo de derivados nobres.
  • Amargor percebido: baixo a médio.
  • Características da fermentação: aroma e sabor de éster frutado e diacetil não devem estar presentes.
  • Corpo: alto.

O BJCP (2015) descreve a Rauchbier como

uma amber lager alemã elegante, maltada, com um caráter defumado de madeira de faia equilibrado, complementar. Aroma e sabor de malte ricamente tostado, mas com amargor restrito. Sabor de defumado de baixo a alto, e um perfil de fermentação limpo com um final atenuado são característicos (BJCP, 2015, p. 20).

A seguir são apresentadas as características referentes aos atributos sensoriais da cerveja conforme o guia:

  • Aroma: mescla de esfumaçado e de malte, com um balanço e intensidade variável. O caráter de esfumaçado de madeira de faia pode variar de sutil para bastante forte e pode parecer defumado, lenhoso ou bacon. O caráter de malte pode ser baixo a moderado, e ser um pouco rico, tostado ou maltado doce. Os componentes de malte e de esfumaçado são muitas vezes inversamente proporcionais (ou seja, quando o esfumaçado aumenta, diminui o malte e vice- versa). Aroma de lúpulo pode ser muito baixo a nenhum. Perfil de fermentação lager limpo.
  • Aparência: cerveja muito limpa com uma espuma volumosa e cremosa, rica, de cor creme a bronzeada. Cor âmbar acobreado a marrom escuro.
  • Sabor: Geralmente segue o perfil do aroma, com uma mescla de esfumaçado e de malte em vários balanços e intensidades, mas sempre complementar. As características de Märzen devem ser evidentes, especialmente maltadas, muito tostadas, mas com o sabor esfumaçado de madeira de faia, de baixa para alta. Nos níveis mais altos, o esfumaçado pode dar um caráter semelhante ao presunto ou bacon, o que é sempre aceitável, desde que não desviado para uma qualidade untuosa (gordurosa). O paladar pode ser um pouco maltado, rico e doce, entretanto, o final tende a ser semi-seco a seco, com o caráter de esfumaçado por vezes ampliando a secura no final. O retro gosto pode refletir tanto a riqueza do malte como os sabores de esfumaçado, com uma desejável apresentação balanceada. Amargor do lúpulo moderado. Sabor de lúpulo moderado a nenhum, com notas de especiarias, florais ou herbais. Perfil de fermentação limpo lager. Características ásperas, amargas, de queimado, carbonizado, emborrachadas, sulfurosas ou de esfumaçado fenólico são inadequadas.
  • Sensação de Boca: Corpo médio. Carbonatação média a média-alta. Caráter lager macio e suave. Adstringência significativa e dureza fenólica são inadequadas.

Cabe ressaltar que embora o Guia BJCP seja elaborado para concursos de cervejeiros amadores e o BA para concursos internacionais, o BJCP apresenta uma riqueza de detalhes, também baseada em estudos, que não poderia ser ignorada e que acrescentam ao conhecimento de quem se dedica ao estudo da cerveja e, sobretudo, da cultura cervejeira.

De acordo com este guia, a Rauchbier é, literalmente, uma “cerveja esfumaçada”, como traduzida do alemão. A intensidade do caráter esfumaçado pode variar amplamente; nem todos os exemplos são altamente defumados. Para o guia,

Outros exemplos de cervejas defumadas estão disponíveis na Alemanha com base em estilos como Dunkles Bock, Weissbier, Dunkel, Schwarzbier e Helles, incluindo exemplos como Spezial Lager; eles devem ser inseridos na categoria Classic Style Smoked Beer. Esta descrição refere-se especificamente à versão Märzen defumada (BJCP, 2015, p. 21).

A partir da descrição das características, pode-se inferir que a principal característica do estilo Rauchbier é a presença da madeira em forma de fumaça, que gera o caráter defumado. A escolha do estilo Marzen como padrão deve-se em função da adequação do estilo com as características da defumação com um sabor e aroma balanceado, doce, defumado e com uma cor um pouco mais escura.

3.2 Comparação com outros estilos

Conforme exaustivamente descrito nesta pesquisa, a Rauchbier tem como principal característica o uso da madeira de faia para defumar o malte. Contudo, de acordo com Morado (2009), existem outros estilos de cervejas conhecidas como Other Smoked Beer que utilizam outras madeiras, como carvalho, bordo, noz-pecã que criam características distintas e marcantes que as diferem das características atribuídas às formas de preparação do malte por processo de defumação que a Rauchbier utiliza.

No caso das Other Smoked Beer, o produto deve indicar a madeira utilizada na defumação do malte e o estilo da cerveja-base utilizada (exceto a English Brown Ale e Porter que precisam apenas utilizar o nome da madeira utilizada na defumação) (MORADO, 2009, p. 222).

Entre as derivadas da Rauchbier, o Guia BA elenca, além da Marzen Rauchbier, a Weiss Rauchbier e a Bock Rauchbier. Portanto, estas cervejas serão aqui descritas em comparação ao estilo clássico, conforme os quadros 2 e 3.

Quadro 2 – Parâmetros das Weiss Rauchbier

ParâmetroGuia BA
Cor (SRM)4-18
Densidade inicial1.047-1.056
Densidade final1.008-1.016
Álcool (ABV)4,9%-5,6%
Amargor (IBU)10-15
Fonte: BA (2018)

Enquanto características sensoriais, o BA (2018) descreve:

  • Cor: amarelo-claro a castanho;
  • Brilho: se servida com levedura, a aparência pode ser muito turva;
  • Aroma e sabor percebido do malte: nas versões escuras, um grau detectável de malte torrado pode ser encontrado. Aroma e sabor de malte defumado de baixo a alto. Caráter defumado deve ser suave, não severamente fenólico, sugerindo um dulçor leve;
  • Aroma e Sabor de Lúpulo: não percebido;
  • Amargor percebido: baixo;
  • Características da fermentação: frutado e fenólico;
  • Corpo: médio a alto.

A partir da descrição, observa-se que as características da Weiss Rauchbier são as mesmas da Weiss Clássica, adicionadas das características da defumação, como aroma e sabor, tornando-a um pouco mais complexa.

Em relação à Bock Rauchbier têm-se as seguintes características:

Quadro 3 – Parâmetros das Bock Rauchbier

ParâmetroGuia BA
Cor (SRM)40-60
Densidade inicial1.066-1.074
Densidade final1.018-1.024
Álcool (ABV)6,3%-7,6%
Amargor (IBU)20-30
Fonte: BA (2018)

No que concerne às características sensoriais, para o BA (2018), temos:

  • Cor: marrom escuro a muito escuro;
  • Brilho: deve ser brilhante, turbidez a frio não deve estar presente;
  • Aroma e sabor percebido do malte: médio a médio alto; devem estar presentes aromas e sabores defumados de madeira de faia muito baixos a médios-altos. Sabores defumados devem ser suaves, sem caráter desagradável (harsh). O defumado pode criar uma percepção de leve dulçor;
  • Aroma e Sabor de Lúpulo: muito baixo;
  • Amargor percebido: médio, aumentado proporcionalmente com a gravidade inicial;
  • Características da fermentação: aromas e sabores de ésteres frutados, se presentes, devem ser baixos. Diacetil não deve ser percebido.
  • Corpo: médio a alto.

Assim como a Weiss Rauchbier, o estilo Bock Rauchbier também se assemelha ao da cerveja-base. Neste caso, as principais características estão relacionadas à presença intensa do malte tanto no aroma quanto no sabor, com o acréscimo das características da defumação.

4- INGREDIENTES E PROCESSO

O que define como serão as características finais de uma cerveja são os seus ingredientes e o seu processo de fabricação. Na escolha dos maltes, leveduras, lúpulos e outros elementos do processo, o cervejeiro constrói a receita do que será obtido como resultado do procedimento. Na escolha do processo, o cervejeiro também atribui à cerveja características específicas do estilo. Desse modo, os ingredientes e os processos utilizados na fabricação de um estilo de cerveja são a chave para se obter o perfil de aromas e sabores desejados. A utilização de processos tradicionais e ingredientes de mesma origem do estilo da cerveja são considerados essenciais para a reprodução de um estilo.

Esta seção dedica-se à descrição dos ingredientes e processos de fabricação específicos do estilo. Não foram encontrados artigos científicos ou outras produções bibliográficas que descrevessem este processo, portanto, a descrição a seguir está baseada em sites de cervejeiros caseiros9.

No caso desta pesquisa, a descrição do estilo está associada à Rauchbier Clássica, ou seja, à cerveja-base estilo Marzen. De acordo com o BJCP (2015), os ingredientes básicos incluem o malte Rauchmalz alemão (tipo de malte Vienna defumado em madeira de faia) que normalmente compreende 20-100% da moagem. O restante da composição de maltes são também alemães empregados normalmente em uma receita de Märzen. Algumas cervejarias ajustam a cor com um pouco de malte torrado. Quanto às leveduras, são usualmente utilizadas lager alemãs. Os lúpulos são alemães ou tchecos. A seguir, apresenta-se a descrição dos ingredientes e a receita para a produção de uma Rauchbier.

4.1 Malte

No caso deste estilo, o maior desafio de elaborar uma cerveja defumada é a escolha do malte, visto que os maltes defumados variam muito de produtor para produtor. Mesmo quando fornecidos pela mesma maltaria pode ocorrer variação de um lote para o outro. Para evitar esse problema, algumas cervejarias, como a Schlenkerla, defumam o próprio malte, garantindo assim repetibilidade para suas receitas. Outras cervejarias misturam diferentes lotes do malte de uma mesma maltaria, reduzindo assim a variabilidade.

Caso a escolha do cervejeiro recaia por não produzir a cerveja com 100% do malte defumado, pode-se utilizar como malte base o malte alemão vienna ou o malte pilsen (preferencialmente oriundos de maltarias alemãs). Tanto o malte defumado, quanto o malte pilsen e o malte vienna possuem poder enzimático suficiente para serem utilizados em até 100% da composição da receita.

No que concerne aos maltes especiais, cabe destacar:

  • normalmente, este estilo exige de 90 a 120 minutos de fervura, para ocorrer a reação de Maillard10 e formar melanoidinas. Uma alternativa a um tempo tão longo de fervura e exigência da parada proteica, é utilizar um pouco de malte melanoidina;
  • sobre o malte peated ou turfado: o malte peated não é essencialmente um malte defumado, apesar de o processo de produção ser similar. É um malte que é levado aos fornos defumadores, porém no lugar da madeira são utilizadas turfas. Isto faz o malte ter uma característica muito mais terrosa do que defumada. Alguns cervejeiros afirmam ser impossível produzir uma boa cerveja com o malte peated, sendo melhor deixá-lo para produção de whiskey. Outros, defendem que o segredo está na proporção, já que se o malte peated não pode ser tratado como um malte defumado, deve ser utilizado em proporções muito menores na cerveja. No caso da Rauchbier a indicação é que ele não seja utilizado, mas se mesmo assim o cervejeiro optar por utilizá-lo, orienta-se que ele seja combinado com o malte defumado de tal forma que o percentual do peated não ultrapasse 2% da composição total da receita.

4.2 Lúpulos

Lúpulos nobres alemães são os mais indicados para o estilo. Podem ser usadas variedades alemães de Hallertauer, Northern Brewer, Perle, Saphir, Spalt, Tettnang, entre outras. O lúpulo não é o destaque na produção deste estilo, ele é utilizado apenas para amargor e costuma ser adicionado nos 60 minutos finais da fervura.

10 A Reação de Maillard é a responsável pela coloração de dourado a marrom e do característico aroma de tostado, encontrados em produtos como cervejas escuras, chocolate e café. É uma reação química entre um aminoácido ou proteína e um carboidrato redutor, obtendo-se produtos que dão sabor (flavor), odor e cor aos alimentos.

4.3 Leveduras

A levedura mais indicada é a Lager alemã. Podem ser utilizadas leveduras secas como a Fermentis W34/70 e a Mangroove Yeast Bohemia Lager. Entre as leveduras líquidas, existem dois fabricantes nacionais: Dr. Yeast e Bio 4. Eles possuem equivalentes às German Lagers. Os fabricantes estrangeiros costumam utilizar os nomes German Lager ou Bamberg Lager.

4.4 Processo

O processo de fabricação de uma cerveja segue a ordem da moagem; preparo da água; brassagem, mostura ou cozimento; filtragem e clarificação do mosto; lavagem dos grãos; fervura e lupulagem; resfriamento; inoculação do fermento; fermentação; maturação e envase. Nesta seção são apresentados dois processos de fabricação da cerveja. O primeiro, descrito para cervejas de produção artesanal e, o segundo, conforme a cervejaria Schlenkerla.

Na produção da Rauchbier destacam-se as rampas de mosturação11:

  • uma parada em 45°C entre 15 a 30 minutos, com o intuito de quebrar as proteínas, tornando a cerveja mais leve, saborosa e fornecer nutrientes para levedura. Esta etapa também é importante para os resultados da reação de Maillard que ocorre na fervura.
  • uma parada em 65°C irá converter o amido em açúcar fermentável. Esta parada demora entre 30 minutos e 90 minutos.
  • Uma última parada em 75°C que irá desnaturar as enzimas, trazendo estabilidade para o mosto cervejeiro.

Após a rampa, faz-se uma fervura de 90 minutos a 02 (duas) horas, a fim de produzir as reações de maillard capazes de formar melanoidinas e escurecer o mosto. O uso do malte melanoidina na receita permite remover a parada protéica e reduzir o tempo de fervura, ainda que os resultados sejam próximos, não serão idênticos. Uma única adição de lúpulos costuma ocorrer nos 60 minutos finais da fervura, trazendo o amargor necessário para o estilo.

Com relação à fermentação e à maturação, a fermentação pode ser simplificada em 03 (três) grandes etapas:

  • A primeira delas é a fase de reprodução celular, momento em que as células vão consumir o oxigênio e os nutrientes presentes no mosto e a partir do processo de meiose irão se reproduzir. Para garantir que a levedura se reproduza de forma saudável é preciso garantir uma boa aeração do mosto, quantidade de nutrientes suficientes para que ocorra a reprodução e uma quantidade de células iniciais alta o bastante para a cerveja a ser produzida. No caso de lagers, recomenda-se inocular 1,5 milhões de células por ml por °P.

Recomenda-se também que nas primeiras horas de fermentação utilize uma temperatura alguns graus Celsius abaixo da temperatura normal. Esta etapa dura de 24 a 48 horas. Para o estilo Rauchbier orienta-se começar com uma temperatura de 9 a 11°C.

Assim que a levedura atinge um número alto o suficiente, ela passa a realizar o processo de fermentação.

  • O processo de fermentação ocorre sem a presença de oxigênio, onde a levedura absorve o açúcar e produz álcool, gás carbônico e subprodutos. É importante controlar bem a temperatura nesta etapa para que os subprodutos gerados possam ser controlados. Recomenda-se, nesta etapa, a temperatura de 11 a 13°C.
  • Já na maturação, não há mais açúcares fermentáveis. Parte das células irão se aglutinar e decantar, e parte das células irão absorver os subprodutos gerados e produzir outros produtos. Em lagers é usual aumentar de 02 (dois) a 04 (quatro) °C na temperatura de forma a agilizar essa absorção de subprodutos. Entre eles, destaca-se o diacetil, que normalmente é produzido pela levedura e é indesejado na maioria dos estilos. No caso da Rauchbier aumenta-se a temperatura para aproximadamente 15°C por cerca de 48 horas (esta etapa é comumente chamada de parada de diacetil); em seguida diminui-se para 0°C onde permanece para realizar a etapa de lagering.

O lagering tem como finalidade decantar as leveduras em suspensão na bebida, produzindo uma cerveja límpida e brilhante. No lagering também ocorrem reações físico- químicas que tornam a bebida mais estável. No estilo Rauchbier, a etapa de lagering é muito importante para amenizar os aromas e sabores de defumados. Geralmente agressivos nas primeiras semanas após a fermentação, tendem a ficar mais agradáveis com o tempo. Esta etapa costuma ocorrer de duas a oito semanas em 0°C (ou o mais próximo de congelar possível). Após a etapa de lagering, a cerveja já pode ser carbonatada e envasada. A Rauchbier é um estilo de carbonatação médio/baixa.

Os erros mais comuns na produção de Rauchbier são:

  • Defeitos de fermentação: entre os defeitos mais comuns estão os defeitos mais comuns em lagers, como diacetil e ésteres em excesso.
  • Exagerar no defumado: o grande desafio de produzir uma cerveja defumada é encontrar o equilíbrio entre sua cerveja base e o malte defumado. Cada maltaria irá produzir um resultado diferente na sua cerveja. Quando a defumação é exagerada a cerveja passa a ter defeitos como fenólicos e/ou uma aspereza proveniente do malte defumado. É importante fazer testes a fim de dosar a quantidade ideal de malte.
  • Faltar no defumado: se por um lado exagerar no defumado traz defeitos para a cerveja, utilizar uma quantidade muito pequena também é prejudicial, uma vez que a cerveja perderá sua característica marcante que são os aromas e sabores defumados.
  • Utilizar o malte peated no lugar do defumado: como foi explicado, o malte peated passa por um processo diferente do malte defumado, trazendo para cerveja notas mais terrosas do que defumadas. Substituir o malte defumado por malte peated irá produzir uma cerveja mais difícil de beber e muito mais agressiva ao paladar.
  • Exagerar nos maltes para correção de cor: alguns cervejeiros gostam de adicionar uma pequena quantidade de cevada torrada nas suas receitas de modo a escurecê-la, tornando-a mais próxima do que o estilo propõe. Porém, se usado em excesso irá trazer, além da cor, notas de tostado e torrado para a cerveja, o que não é desejado no estilo. A recomendação é que não faça a correção de cor com a cevada torrada, mas opte por maltes que consigam trazer cor sem descaracterizar o estilo.

A cervejaria Schlenkerla descreve o processo da fabricação da Rauchbier12 em passos:

1º Passo: Embeber. Primeiro, a cevada tem que ser embebida em água para iniciar o processo de germinação. A cervejaria afirma que na linguagem dos cervejeiros este processo é chamado de “maceração”. Durante este processo, o grão é alternadamente mergulhado e arejado.

2º Passo: Germinação. Depois que o teor de água no grão chegou a 35%, ele começa a germinar. Quando o grão começa a crescer, formam-se enzimas capazes de quebrar o conteúdo do grão (principalmente proteína e amido). Para a cervejaria, esta propriedade é essencial no processo de fermentação. Durante o período de germinação de sete dias, o malte verde, como é chamado pelos cervejeiros, é constantemente revolvido e aerado.

3º Passo: Kilning. Para interromper a germinação e estabilizar os processos bioquímicos envolvidos, o malte verde deve ser seco (queimado). Segundo o site descreve, este é o segredo do Original Schlenkerla Smokedbeer. Uma lareira de madeira de faia sob o forno aquece o ar, e a fumaça dá ao malte seu sabor típico de fumaça, resultando na Schlenkerla Smoked Malt.

Esta forma tradicional de fazer malte defumado é hoje feita apenas por duas cervejarias no mundo: Schlenkerla e Spezial de Bamberg. Já as cervejarias sem o seu próprio malte, podem comprar diferentes tipos de malte de maltarias comerciais. Para eles, o processo de fermentação começa no Passo 4.

4º passo: Moagem. Para continuar o processo de transformação iniciado no malthouse, o malte deve ser inicialmente moído em grãos.

5º passo: Purê. A massa é misturada com água no purê. No mash resultante, as enzimas podem converter os componentes do malte. O passo mais importante é a transformação do amido em açúcares de malte. Isso ocorre em temperaturas entre 45 °C e 77 °C.

6º Passo: Separação de Mosto (Lautering). A Schlenkerla descreve que depois que o processo de conversão é concluído, o malte rico em açúcar, o mosto, é separado dos componentes sólidos, o grão gasto. O mosto é então transferido para a caldeira, enquanto o grão gasto é removido da fábrica e pode ser usado, por exemplo, para assar pão.

7º passo: Fervura. O mosto é cozido na chaleira e os lúpulos são adicionados em várias etapas. Através do calor, os elementos amargos do lúpulo são liberados, dando à cerveja um amargor característico. Durante a fervura, a água evapora para que o mosto atinja a concentração necessária (gravidade original). Alguns componentes do mosto se tornam insolúveis através do calor; estas substâncias são chamadas de “hot break” e devem ser removidas posteriormente. De acordo com a descrição da cervejaria, o processo geral da cervejaria, desde a moagem até a conclusão da fervura, leva cerca de oito horas.

8º Passo: Refrigeração e Pitching. Conforme descrito pela Schlenkerla, após ferver, o mosto é bombeado para o redemoinho; o mosto é “retirado”, como dizem os cervejeiros. Aqui a ruptura a quente é removida. Subsequentemente, o mosto é resfriado, aerado e a levedura é adicionada; na linguagem dos cervejeiros, é “lançado”.

9º Passo: Fermentação Primária. De acordo com a cervejaria, a levedura pode sobreviver não apenas através da respiração aeróbica (com oxigênio, como o corpo humano), mas também em um ambiente anaeróbico (sem oxigênio) através da fermentação alcoólica. Neste processo, o açúcar de malte é convertido em álcool, gás carbônico e calor. No final da fermentação primária, que dura aproximadamente 07 (sete) dias, a maior parte da levedura se deposita no fundo do tanque de fermentação. Por este motivo, é chamado de cerveja de fermentação de fundo. Diferentemente, a levedura na cerveja de alta fermentação, ou seja, na Original Schlenkerla Smokebeer -, sobe para o topo do tanque de fermentação. A cerveja verde – que é o que este produto provisório é chamado por cervejeiros franconianos – é agora bombeada para a adega de cerveja para fermentação secundária.

10º Passo: Fermentação Secundária e Maturação. Segundo definição da cervejaria, o período de maturação serve para aperfeiçoar a cerveja. Os elementos fermentáveis restantes da cerveja verde são transformados pela levedura, gerando mais gás carbônico. Os tanques de condicionamento/armazenamento são fechados com um regulador principal (uma válvula de liberação de pressão) que é ajustado para uma contrapressão específica. Desta forma, o teor de dióxido de carbono na cerveja final é regulado. A maturação demora cerca de seis a oito semanas. Após esse período a cerveja está pronta para beber.

A maturação da Schlenkerla ocorre nas antigas cavernas situadas no subsolo de Stefansberg, que fazem parte de um extenso sistema de túneis com mais de 700 anos de idade. Como mantêm uma temperatura baixa constante durante todo o ano, os túneis têm sido usados por cervejeiros há séculos. Para garantir as características da maturação, a cervejaria afirma utilizar gelo coletado de lagos e rios para resfriar ainda mais as cavernas. Segundo eles, depois de invernos quentes geralmente não há gelo suficiente disponível e há a necessidade de importação deste material da Finlândia para amadurecer adequadamente o Smokebeer de Schlenkerla Original.

11º passo: Filtração. Conforme conceituado pela Schlenkerla, no final da fermentação secundária, a cerveja ainda contém levedura e outras matérias em suspensão. Deve, então, ser filtrada para dar a claridade brilhante desejada pelo consumidor. Depois disso, pode ser colocada em barris ou garrafas.

Após uma limpeza e inspeção minuciosas, os barris são preenchidos sob pressão. Através da pré-pressurização, a cerveja flui para o barril sem espuma. Seguindo a antiga tradição, a cerveja defumada na taverna Schlenkerla Brewery ainda é extraída exclusivamente de barris de madeira de carvalho. Tal como acontece com os barris, as garrafas são preenchidas sob pressão. Posteriormente, as garrafas são rotuladas e embaladas.

5. CERVEJARIAS E CERVEJAS REFERÊNCIAS DO ESTILO

Como já fora colocado no decorrer desta pesquisa, a tradição da Rauchbier alemã é, sobretudo, devida à localidade onde ela é produzida. Portanto, as cervejarias Schlenkerla e Spezial, ambas localizadas em Bamberg, são as principais representantes do estilo.

No Brasil, merecem destaque as cervejarias Bamberg, cujo nome faz alusão à região alemã, e Seasons, cujas cervejas tornaram-se referência do estilo.

A revista Beer Art 13 , em 2014 criou o ranking das cervejas premiadas brasileiras, produzido a partir do cruzamento de todas as medalhas de todas as edições dos concursos mais relevantes, desde a primeira edição de cada competição, algumas recuando para o início dos anos 2000. Este levantamento recuperou as medalhas de quase duas décadas de mais de uma dezena de competições nacionais, continentais e internacionais. Segundo a revista, no início de 2018, estão presentes no ranking mais de mil cervejas, de centenas de cervejarias.

No que concerne ao estilo desta pesquisa, além das cervejas e cervejarias já citadas, existem outras produções nacionais do estilo, tais como:

  • Cervejaria Eisenbahn (Eisenbahn Rauchbier – Santa Catarina), com 14 pontos no ranking: 2014 Prata no Festival Brasileiro da Cerveja, 2013 Ouro no Festival Brasileiro da Cerveja – Prata no World Beer Awards (Américas), 2011 Ouro no World Beer Awards (Américas), 2009 Bronze no Australian International Beer Awards;
  • Cervejaria Königs Bier (cerveja Königs Bier Rauchbier – Jaraguá do Sul- SC), com 13,5 pontos no ranking: 2017 Vencedora nacional na categoria Smoke no World Beer Awards, Ouro na Copa da Cerveja POA – Prata na South Beer Cup, Prata no Festival Brasileiro da Cerveja, Bronze no Brussels Beer Challenge;
  • Cervejaria Bierbaum (cerveja Treze Tílias – Santa Catarina), com 13 pontos no ranking, 2017 Bronze no Festival Brasileiro da Cerveja, 2016 Prata na South Beer Cup – Bronze no Festival Brasileiro da Cerveja, 2015 Prata no Festival Brasileiro da Cerveja – Bronze na Copa Cervezas de América, 2014 Prata na South Beer Cup e Bronze na Copa Cervezas de América.

Além destas, a cervejaria Ogre Beer (cerveja Caldo de Bituca – Paraná), também produz o estilo, mas não foram encontrados dados de premiações.

5.1 Schlenkerla

A cervejaria Histórica Schlenkerla está localizada no meio do centro antigo da cidade de Bamberg, ao pé da catedral. A primeira menção escrita a esta cervejaria, conforme descrito na sua página oficial14, foi em 1405 e atualmente está nas mãos da sexta geração da família Trum.

A principal representante desta cervejaria, ainda conforme a página oficial, é a “Schlenkerla”: a cerveja defumada mais tradicional. Segundo a cervejaria, experimentar a “Schlenkerla Rauchbier” é obrigatório para quem visita Bamberg. O nome “Schlenkerla” teve origem a partir de um apelido que a população deu ao local onde era produzida a cerveja defumada. O mestre cervejeiro que a produzia tinha uma deficiência locomotora em função de um acidente e andava mancando. Em alemão, esta característica é conhecida como um andar “schlenkernden”. O local foi, portanto, denominado “Schlenkerla“: o local do manco. Apesar de já terem se passado seis gerações de mestres cervejeiros, o nome permanece.

A página oficial da cervejaria apresenta informações detalhadas sobre a história da cervejaria, da cerveja defumada, dos estilos produzidos e das suas premiações. Para esta empresa, o que torna a Schlenkerla Smokedbeer é o fato de a Schlenkerla ser uma cervejaria e uma operação de maltagem15, que é mantida no mesmo padrão desde a Revolução Industrial, cerca de 200 anos atrás, como já explicado na primeira seção deste artigo.

A Schlenkerla Rauchbier é uma das duas últimas cervejas tradicionalmente defumadas, enquanto as cervejas de cervejarias artesanais modernas são geralmente fabricadas com maltes defumados produzidos “artificialmente”, ou seja, sem utilização de madeira no processo. Para a cervejaria, a Schlenkerla Rauchbier é uma personificação da história da cerveja: “Beber um Schlenkerla é como uma pequena viagem no tempo. Schlenkerla Smokedbeer é um fóssil vivo de um mundo cervejeiro que existiu séculos atrás”16.

A cervejaria produz sete estilos diferentes de cerveja defumada, dos quais três são denominados Original Schlenkerla Smokedbeer: Märzen, Urbock e Trigo. Além deles, há a Helles Schlenkerla Lager, a Schlenkerla Lentbeer, a Aecht Schlenkerla Kräusen, que nos EUA também é conhecida como “Helles Märzen, mistura de Kräusen refermentada” e a Schlenkerla Oak Smoke.

Em relação aos prêmios, de acordo com o site17, a Original Schlenkerla Smokedbeer, estilo Märzen é o maior destaque, com Medalha de ouro no festival de uísque e cerveja de Estocolmo 2017 como melhor cerveja escura 2016: medalha de ouro na competição ” World Beer Idol; vencedor da medalha de ouro 2015 Australian Beer Awards (prata para o trigo Schlenkerla, bronze para Schlenkerla Urbock); vencedor da medalha de prata no Australian Beer Awards de 2014 (o ouro foi concedido ao Schlenkerla Wheat); medalha de ouro no festival de cerveja de Estocolmo em 2013; medalha de ouro no festival de cerveja de Estocolmo de 2012; vencedor da competição de especialidades de 2011 da área metropolitana de Nuremberg; medalha de Prata nos Prémios da Cerveja Australiana de 2010 (o ouro não foi atribuído); vencedor da medalha de prata nos Brew NZ Beer Awards de 2009, além de premiações de destaque entre 1984 a 2009, como o Grande Prêmio DLG em Ouro nos anos de 1984, 1988, 1990, 1992, 1994, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012.

A cerveja defumada Urbock Original Schlenkerla Smokedbeer foi premiada em 2015 como a melhor cerveja de inverno na Finlândia, bronze em prêmios de cerveja da Australien (ouro para Märzen, prata para trigo). Em 2014 se classificou como uma das 15 melhores cervejas de outono. Em 2012 se classificou entre as 50 melhores cervejas do mundo. Em 2011 foi eleita a melhor cerveja de inverno no Helsingin Sanomat. Assim como a Märzen, a Urbock também recebeu premiações entre 1999 a 2011. Existem outras premiações de outros estilos que podem ser visualizadas no site da cervejaria.

5.2 Brauerei Spezial

De acordo com informações disponibilizadas na página oficial da cervejaria18, a Brauerei Spezial, ou Cervejaria Especial remonta à Idade Média, quando a cerveja era preparada em Steinweg, uma antiga rota de comércio nacionalmente importante. Naquela época, a estrada tinha que passar obrigatoriamente por Bamberg na direção de Nuremberg e Augsburg, como parte de uma conexão principal norte-sul da Europa.

Ainda conforme descrito no site, uma das últimas 22 cervejarias ainda detectáveis na rua no início do século XIX é a Cervejaria Spezial. A propriedade da “Cervejaria Especial” era considerada o exemplo ideal de uma empresa cervejeira do século XVI. Apesar das inúmeras renovações e novos edifícios ao longo dos séculos, o histórico edifício da frente, que remonta ao período em torno de 1450, ainda é o centro do complexo.

Um documento datado de 1536 apresenta informações sobre o fundador da cervejaria, o Büttner Linhard Großkopf, cuja família ainda tem várias outras cervejarias. O nome Spezial apareceu pela primeira vez através do ex-proprietário Nikolas Delscher, que é chamado de Spicial, eyn Bräuer e também Büttner gewesten. Ele gerenciou o restaurante da cervejaria de 1631 até sua morte, em 1664. Desde 1898, a cervejaria Spezial é de propriedade da família Merz. Brewmaster Christian Merz lidera a empresa na 4ª geração.

A cervejaria produz cinco estilos de cerveja defumada: Spezial Rauchbier Märzen, Spezial Rauchbier Lager, Spezial Rauchbier Bock, Spezial Rauchbier Weissbier e a Ungespundetes. Esta cervejaria não é tão expressiva como a anterior, contudo, ainda produz o estilo Rauchbier e preserva a tradição franco-alemã.

5.3 Bamberg

A cervejaria Bamberg, localizada em Votorantim, São Paulo, conforme informações disponibilizadas no site19, tem como missão expandir a cultura cervejeira e apresentar aos brasileiros um modo diversificado e consciente de se beber cerveja.

O nome da cervejaria foi atribuído como um modo de homenagear a cidade alemã de Bamberg. A empresa iniciou suas atividades em dezembro de 2005 e a produção é exclusiva de estilos alemães de cerveja, desde os clássicos até receitas próprias, sempre seguindo a Lei de Pureza. Ao longo dos anos, a Cervejaria Bamberg ganhou mais de 200 Prêmios em todo o mundo.

A Bamberg Rauchbier é a mais notória criação da cervejaria. Segue fielmente as características do estilo, inclusive a defumação do malte pela própria empresa, como descrito na página da cervejaria: seguindo o tradicional estilo da Francônia, a Rauchbier é uma cerveja com aromas e sabores que remetem ao bacon. Já recebeu 41 prêmios, sendo o mais recente a medalha de bronze no Campeonato Internacional de Cerveja de Aro Rojo (México, 2019).

Segundo a revista Beer Art20, em 2018 a cerveja foi Ouro e vencedora nacional no estilo na Fase Nacional do World Beer Awards, Prata no International Beer Challenge, Prata no Festival Brasileiro da Cerveja, Bronze no Aro Rojo, Bronze no European Beer Star e Bronze no Australian International Beer Awards. Recebeu medalha de prata no European Beer Star 2009, Alemanha, na categoria Smoked Beer, Prêmio na categoria “Flavoured Lager” no World Beer Awards 2010. Foi a única cerveja brasileira que ganhou uma medalha na eleição. Ainda em 2010, na revista Prazeres da Mesa a Bamberg Rauchbier foi eleita a segunda melhor cerveja disponível à venda no Brasil, entre nacionais e importadas, dentre todos os estilos. No mesmo ano ganhou medalha de prata na Australian Beer Awards, eleita a melhor cerveja do Mundo e das Américas no World Beer Awards 2010, Inglaterra e medalha de ouro no Mondial de La Biére na França. Em 2011 recebeu medalha de prata no South Beer Cup, medalha de bronze no Australian International Beer Awards. Em 2012 recebeu medalha de prata no European Beer Star. Em 2013 recebeu medalha de prata no I Festival Brasileiro de Cerveja e medalha de bronze no Australian International Beer Awards, dentre outros prêmios.

5.4 Seasons Craft Beer

Esta cervejaria começou suas operações em 2010, na cidade de Porto Alegre. A cervejaria se define como “ousada e criativa” e tem por objetivo quebrar paradigmas e criar experiências únicas de sabor. Conforme descrição, a Seasons faz cervejas usando os mais diversos ingredientes e processos de forma a agregar mais sabor para suas receitas. Dentre as suas 21 receitas registradas no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) existe a X-Bacon Rauchbock, conceituada por eles como “cerveja sem maionese”21.

A cervejaria também descreve o processo de defumação do malte como uma das chaves para o sabor da cerveja e exalta a tradição da produção cervejeira alemã. Contudo, não faz a defumação do malte, já que na descrição da sua receita informa o uso do malte defumado, Weyermann Special W® e Weyermann Carahell®. A empresa Weyermann, natural da cidade de Bamberg, é especialista em defumados. Segundo dados disponibilizados no site da cervejaria, a X-Bacon Rauchbock recebeu medalha de ouro no Concurso Brasileiro de Cerveja 2017 – categoria Rauchbock e medalha de prata no Concurso Brasileiro de Cerveja 2016 – categoria Rauchbock.

6. HARMONIZAÇÃO COM RAUCHBIER

De acordo com Morado (2009), a harmonização de comidas e bebidas é um tema complexo visto que envolve análise subjetiva e de difícil consenso. Contudo, existem alguns conceitos que são aceitos e utilizados pela maioria das pessoas, sejam especialistas ou leigas, que são utilizados tanto para o consumo de vinhos como para o de cervejas:

  • Harmonização por semelhança: pratos e cervejas como elementos comuns como dulçor, amargor, acidez, tostado;
  • Harmonização por contraste: pratos e cervejas com elementos contrastantes como dulçor e amargor, dulçor com salgado, acidez com doçura, refrescância com picância;
  • Harmonização por equilíbrio: pratos delicados com cervejas delicadas e robustos com cervejas robustas.

No caso da Rauchbier, por se tratar de uma cerveja defumada, comumente ela é oferecida em harmonização por semelhança, como acompanhamento para pratos robustos e defumados como queijo provolone, carne de porco, embutidos, feijoada, costela suína, frango na brasa, javali, pimentão recheado, pizza calabresa, salmão defumado, truta defumada e pratos com molho barbecue. Ou seja, todo tipo de receita que ressalta o teor salgado, torrado, defumado ou caramelizado combina bem com a Rauchbier.

Ao considerar a gastronomia brasileira, merecem destaque a harmonização com as receitas típicas nordestinas, que aproveitam as sobras do gado, do porco e das aves, conferindo a tradição de se comer miúdos e partes menos nobres como pescoço, rabo, gorduras, orelhas em pratos como o mocotó (osso do pé do boi), rabada (rabo do boi), fatada (mistura de vísceras do boi), buchada (rins, fígado e vísceras do bode), galinha ao molho pardo (incluindo o sangue da ave no ensopado). O preparo destes alimentos usualmente inclui ingredientes defumados como bacon e linguiça para potencializar o sabor, conferindo-lhes as características da defumação e harmonizando com o estilo Rauchbier. Além disso, o final seco da cerveja também pode auxiliar a “quebrar a gordura” presente nesses pratos.

Recentemente alguns apreciadores de cervejas, usando a criatividade, também buscam harmonizar a cerveja defumada com charutos. O argumento é que as Rauchbier permitem a harmonização, já que os charutos deixam uma sensação picante na boca, não sobrepondo o sabor da cerveja. Ao mesmo tempo, o charuto ameniza a potência das smoked beer, principalmente para os menos acostumados.

Por fim, é importante considerar que a harmonização tem como princípio básico que o conjunto cerveja/alimento seja prazeroso e tenha, preferencialmente, um resultado melhor do que se fossem ingeridos separadamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi apresentar um estudo sobre o estilo de cerveja Rauchbier. Pretendeu-se também descrever como surgiu o estilo, região, história, nome, evolução ao longo dos anos; apresentar as características técnicas da cerveja, os métodos de produção e matérias-primas e, por fim, descrever inovações e pesquisas tecnológicas que envolvem a Rauchbier.

Através de uma pesquisa descritivo-explicativa, de caráter bibliográfico foram apresentados o estilo: uma cerveja da escola alemã, originada na região da Francônia, em Bamberg, na Alemanha. Bamberg é reconhecida pela preservação da tradição cervejeira que, antes da Revolução Industrial, não dispunha de recursos tecnológicos para a torra do malte e utilizava madeira, especialmente de faia, para obter o insumo. Mesmo com o advento da tecnologia e o surgimento de novos processos, a cidade de Bamberg permaneceu utilizando a técnica e atualmente as cervejarias Schenkerla e Spezial ainda produzem cervejas deste estilo.

Esta cerveja obedece à lei da pureza, utilizando apenas água, malte, lúpulo e levedura como ingredientes. No seu processo produtivo destaca-se o uso do malte defumado, seja produzido pela própria cervejaria, como no caso da Schlenkerla, Spezial e Bamberg ou comprado em empresas que elaboram esta tipagem, como a Seasons. Comumente, as cervejarias utilizam a base de um estilo, como Märzen, Bock, Weiss, Hells e adicionam malte defumado para transformá-la em uma Rauchbier.

A pesquisa concluiu que a importância do estilo reside principalmente em preservar a tradição cervejeira alemã, sobretudo em relação aos aspectos históricos e culturais, visto que os habitantes da cidade de Bamberg que apreciam a cerveja defendem o seu consumo e o propagam para quem a visita.

Conforme fora colocado na introdução deste trabalho, compete destacar a incipiência de estudos científicos sobre estilos de cerveja, já que a maioria dos trabalhos publicados concentram suas pesquisas nas características físico-químicas do produto. Esta foi a maior dificuldade da pesquisa: a ausência de estudos científicos anteriores. A maior parte da bibliografia sobre o tem é encontrada em livros escritos por apreciadores da cerveja e pelos sites das cervejarias. Portanto, este trabalho não esgota as possibilidades de estudo sobre o tema, é apenas o início de uma jornada.

Confira a apresentação desse artigo científico pela aluna Fernanda Meneses de Miranda Castro em nosso canal do YouTube!


NOTAS

1 Bacharel em Turismo, Bacharel em Administração, Especialização em Metodologia da Educação Superior, Mestre em Cultura e Turismo, Doutora em Desenvolvimento Urbano e Regional. Sommelierè de Cervejas. Curso de Master em Estilos – Escola Superior de Cerveja e Malte. Blumenau – SC. E-mail: [email protected]

2 Engenheira Química, Sommelière e Mestre em Estilos e Avaliação de Cerveja. E-mail: [email protected]

3 A Reinheitsgebot ou Lei da Pureza, criada na Alemanha em 1516, determinou que cerveja fosse feita somente com água, malte e lúpulo, na época a levedura ainda não era conhecida, sendo incorporada tempos depois.

4 Cerveja clássica da Escola Alemã, originária do Norte do país, muito popular em Munique. A palavra Bock significa bode, em alemão. A principal característica deste estilo é a concentração do malte, tanto no aroma como no paladar.

5 Outra cerveja clássica da Escola Alemã, originária de Munique, elaborada em contrapartida à Pilsen. A palavra Helles significa clara, em alemão. A principal característica deste estilo de cerveja é o sabor de pão e o amargor suave.

6 Mais uma cerveja clássica da Escola Alemã, originária de Munique, elaborada no mês de março para ser consumida em outubro, durante a Oktoberfest (festa da cerveja alemã). É uma cerveja cujas características do estilo são a coloração bronze, suave, de paladar redondo com aroma e sabor de toffee intenso e amargor apetitoso.

7 Existem diversos relatos sobre o papel da cerveja nos mosteiros da Idade Média. A cerveja era vista como um alimento saudável, nutritivo e básico para todos.

8 Harsh é um termo utilizado no ambiente cervejeiro que significa aspereza, agressividade, resultando uma característica desagradável na cerveja.

9 Disponível em http://www.engenhariadacerveja.com.br/2015/Rauchbier/. Acessado em 30mar2019.

Disponível em https://www.homebrewersassociation.org/forum/index.php?topic=1778.0. Acessado em 30mar2019.

Disponível em https://www.northernbrewer.com/documentation/allgrain/AG-Rauchbier.pdf. Acessado em 30mar2019.

10 A Reação de Maillard é a responsável pela coloração de dourado a marrom e do característico aroma de tostado, encontrados em produtos como cervejas escuras, chocolate e café. É uma reação química entre um aminoácido ou proteína e um carboidrato redutor, obtendo-se produtos que dão sabor (flavor), odor e cor aos alimentos.

11 A mosturação em rampas é um programa de mostura em que a temperatura é progressivamente aumentada por intermédio de uma série de descansos. Esta operação permite que fabricantes de cerveja manipulem a brassagem com o objetivo de obter o mosto desejado. A eficiência de extração é ligeiramente a moderadamente elevada ao utilizar esta etapa em degraus.

12 Disponível em https://www.schlenkerla.de/Rauchbier/prozess/prozesse.html. Acessado em 30/03/2019.

13 Disponível em https://revistabeerart.com/cervejas. Acesso em 06/05/2019.

14 Disponível em https://www.schlenkerla.de/schlenkerla/chronik/baugeschichtee.html. Acesso em 13/04/2019

15 Disponível em https://www.schlenkerla.de/Rauchbier/beschreibunge.html. Acesso em 13/04/2019

16 Disponível em https://www.schlenkerla.de/Rauchbier/beschreibunge.html. Acesso em 13/04/2019

17   Disponível em https://www.schlenkerla.de/Rauchbier/auszeichnungen/auszeichnunge.html Acesso em 13/04/2019

18 Disponível em https://brauerei-spezial.de/geschichte/. Acesso em 13/04/2019

19 Disponível em http://cervejariabamberg.com.br/historia/. Acesso em 13/04/2019

20 Disponível em https://revistabeerart.com/news/cervejas-mais-premiadas-no-ano. Acesso em 06/05/2019

21 A atribuição do nome faz alusão à harmonização do bacon com a maionese. Neste caso, estaria “bebendo um bacon” sem a maionese. Disponível em http://www.cervejariaseasons.com.br/cerveja/x_bacon/index.shtml. Acesso em 13/04/2019.


REFERÊNCIAS

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BREWERS ASSOCIATION. Beer Style Guidelines 2018 Edition. Disponível em

<https://www.brewersassociation.org/resources/brewers-association-beer-styleguidelines/>. Acesso em 30/03/2019.

ANDRADE, Maria Margarida. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: noções práticas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

BAMFORTH, C. W. Beer – A quality perspective. USA: Elsevier, 2009. BELTRAMELLI, Mauricio. Cervejas, brejas e birras. São Paulo: Leya, 2015

Brewers Associations 2018 Beer Style Guidelines; 2018.

DREDGE, Mark. The Pocket Book of Cratf Beer: a guide to over 300 of the finest beers known to man. London: Dog n Bone, 2016

DORNBUSCH, Horst. Beer Styles: from around the world. Brewers Publications, 2015.

  . PROST! The story of german beer. Brewers Publications, 1997.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. MORADO, Ronaldo. Larousse da Cerveja. São Paulo: Editora Lafonte Ltda, 2009.

MOSHER, Randy. Tasting Beer: an insider’s guide to the world’s greatest drink. EUA: Storey Publishing LLC, 2017.

OLIVER, Garrett. A Mesa do mestre-cervejeiro: descobrindo os prazeres das comidas e cervejas verdadeiras. São Paulo: Senac, 2012.

STRONG, G. Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines. 2015.

* As opiniões expressas pelos alunos e ex-alunos da Escola Superior de Cerveja e Malte em artigos e entrevistas publicados nesse blog, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da ESCM.

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