Apesar de um pouco esquecida e quase desprezada pela comunidade cervejeira, André Laércio Pereira Silva, Sommelier de Cervejas e aluno do Curso de Master em Estilos da ESCM resgatou histórias curiosas e apresentou um estudo completamente fascinante sobre as cervejas Brown Ale.
A bebida que tem laços de sangue com as tradicionais Dark Mild inglesas e que anos mais tarde ganhou também a versão americana, se destaca pela intensidade e profundidade da coloração, fruto da presença do malte escuro, bem tostado, seu principal ingrediente.
André nos conta que a coloração característica dessa cerveja também o foi o principal motivo que levou o estilo a quase ter desaparecido: as Brown Ale tornaram-se raridade com o advento dos fornos de maltagem e o surgimento das cervejas claras. Para que elas ganhassem sobrevida, os cervejeiros precisaram reinventá-la.
A pesquisa, que teve a orientação do professor José Raimundo Padilha, discorre ainda sobre as características dos estilos, os ingredientes e o processo de fabricação, além de demonstrar com grande riqueza de detalhes as harmonizações que casam perfeitamente com as Brown Ale.
Ao final da leitura, você conhecerá também as cervejas que são referência de ambos os estilos: um convite intrínseco para que você prove uma brown ale e sinta os sabores que fazem parte de um capítulo interessante da história da cerveja.
________________________
ENGLISH BROWN ALE E AMERICAN BROWN ALE
Resumo
As cervejas Brown Ale possuem uma longa história na Inglaterra. Na verdade, pela forma como o grão era secado diretamente no fogo, o que gerava um malte mais escuro, a maioria das cervejas lá produzidas caracterizava-se pela coloração marrom. O estilo “Brown Ale”, na versão moderna, surgiu apenas no início do século XX, quando as “Dark Mild” receberam conservantes e o seu envase passou a ser feito em garrafa. Tiveram rápido crescimento, mas a partir da década de 1960, caíram em produção e consumo. Em meados dos anos 1980, surgiu a versão americana, com a utilização de ingredientes nativos dos Estados Unidos, malte e lúpulos em maior quantidade, tornando-se um estilo mais torrado e amargo em comparação com o inglês. Hoje em dia, mesmo não sendo um sucesso em vendas, praticamente toda cervejaria inglesa ou norte-americana tem uma Brown Ale em sua linha de produção, também por não terem um processo de fabricação complexo. Sua característica principal está no fato de ser maltada. Mesmo na versão norte-americana, em que o lúpulo é um ingrediente de destaque, o malte tem o papel mais importante. As cervejas de ambos os estilos apresentam, em sua maioria, corpo médio, cor âmbar-escura e variados perfis sensoriais. Algumas são secas, outras apresentam mais ésteres frutados ainda que não em grande quantidade. Em geral, têm características de nozes, e podem possuir notas sutis de caramelo. As Brown Ale americanas possuem amargor elevado, notas de torrado e caramelado mais prevalentes.
Palavras-chave: brown ale, english, american, malte, garrafa.
INTRODUÇÃO
Sejam inglesas, sejam americanas, as Brown Ale são por muitos consideradas cervejas sem grandes atrativos, que não despertam muitas paixões. Em tese, associações feitas à cor marrom (brown) não costumam causar excitação. Cervejas do estilo em questão, em razão de suas origens, são, inclusive, associadas às pessoas mais humildes, aos trabalhadores braçais, de menor conhecimento e com menos condições financeiras. Todavia, as virtudes das Brown Ale, tidas como cervejas sem brilho, vão além de seu aspecto exterior.
Livres da pressão e avaliação a que muitos estilos mais famosos são submetidos, as Brown Ale representam para os cervejeiros um estilo com grande potencial para que possam manifestar sua individualidade, seu toque pessoal. O que tem ênfase no estilo é a riqueza do malte (aromas e sabores) e, para alcançar o que deseja, o cervejeiro pode fazer uso de diversos truques. Como resultado, de modo geral, tem-se uma cerveja equilibrada, confortante, enfim, muito mais interessante e capaz de surpreender aos mais exigentes degustadores.
Tecidas essas considerações introdutórias, o objetivo do presente artigo é descrever o estilo “Brown Ale”, nas duas versões (inglesa e americana), sua história, características, ingredientes utilizados e processo de fabricação. Além disso, é tratada com atenção a questão da harmonização entre as cervejas dos dois estilos e a culinária. Por fim, apresentam-se, ainda, as principais cervejas-referências, tanto em nível mundial quanto em nível nacional, de ambos os estilos.
2 HISTÓRIA DAS CERVEJAS BROWN ALE
As raízes das Brown Ale inglesas remontam à Idade Média. Àquela época, a maioria das cervejas era de cor marrom, uma vez que as técnicas de malteação eram bastante rudimentares. O grão germinado era, na maioria das vezes, seco em fogueiras abastecidas com madeira, turfa, dentre outras. Este modo de secagem direta ao fogo gerava grãos escuros e defumados. Não havia homogeneidade no processo. O malte resultante era marrom e era o mais comum para as ales daquela época. Assim, em sua ampla maioria, as cervejas, na Inglaterra, àquela época, eram literalmente “Brown Ale”.
Segundo Horst Dornbusch (2015, p. 102), autor do livro “Beer Styles from Around the World: Stories, Ingredients and Recipes”, um ponto a se destacar sobre as Brown Ale é que elas podem ser consideradas as mais naturais cervejas do mundo. Os sabores que as compõem, de pão cru, biscoito, caramelo e tostado são bastante semelhantes aos alimentos que nossos antepassados distantes ingeriam: o pão e a carne assados ao redor de fogueiras.
A maior parte dos cervejeiros que fala sobre a história da cerveja tem como marco o início do século XVIII. Na obra “Brown Ale: History, Brewing, Techniques, Recipes” (1998, p. 4-5), Ray Daniels e Jim Parker, apontam que o mais remoto texto sobre fabricação de cerveja data de 1691. Mencionam, ainda, que, todavia, na Inglaterra, a mais antiga referência à cerveja é de bem antes. Em 688, um contrato mencionava pagamentos de “12 barris de ale forte e 30 barris de ale fraca”. Este contrato, inclusive, além de confirmar a existência de produção cervejeira naquela época, também deixava claro que existiam diferentes tipos de ales.
Daniels e Parker (1998) trazem ainda ao nosso conhecimento outros fatos históricos importantes acerca das “Brown Ale”. Escreveram que Stopes (em sua obra “Malt and Malting”), já em 1885, afirmava que os padres, em suas atividades cervejeiras, por volta de 1300, amavam as “Nut Brown Ale”. Há menção também ao fato de que, já na Idade Média, eram usados outros grãos além da cevada. Judith Bennett, em 1986, em uma das mais completas pesquisas sobre fabricação de cerveja neste período (“Ale, Beer and Brewsters in England: Women’s Work in a Changing World”), afirmou que a cevada tornou-se o principal grão apenas no século XVI e que os mais usados, anteriormente, eram o trigo e a aveia.
Um fator que poderia explicar esta preferência era o custo. Em 1302, por exemplo, o trigo era muito mais barato que a cevada. O trigo e a aveia não torrados, se em grande quantidade, tendem a produzir uma cerveja mais clara. É um sinal claro de que, além das cervejas “marrom”, havia ainda cervejas mais claras. Segundo Oliver (“The Oxford Companion to Beer”, 2011, p. 185), o malte claro de cevada só foi de fato utilizado na fabricação de cervejas a partir do século XVIII, quando, em decorrência dos avanços tecnológicos e devido ao seu maior rendimento, tornaram-se um pouco mais baratos e uma alternativa mais confiável.
Ressaltaram também Daniels e Parker (1998), com base no estudo de Corran (“A History of Brewing”, 1975), que, antes da “Peste Negra” (1348-1349), a atividade cervejeira era quase exclusivamente uma tarefa doméstica exercida pelas mulheres. As “ale” eram caracterizadas por serem as bebidas de malte sem lúpulos. Eram utilizadas ervas e especiarias que proporcionavam o amargor e o sabor necessários para o equilíbrio com o dulçor do malte. Eram cervejas com certo grau de acidez, o que limitava sua durabilidade a poucos dias.
Foi apenas no século XV que os lúpulos foram levados às Ilhas Britânicas por imigrantes flamengos. Gradualmente, deu-se a substituição das ervas e especiarias até se chegar à situação atual, em que todas as “Brown Ale” possuem lúpulo em sua composição.
Como se viu acima, as “Brown Ale” têm sido produzidas desde épocas bastante remotas, mas o termo “Brown” ou “Nut Brown” não era utilizado para um estilo ou marca até o final do século XIX (Mosher, 2017, p. 246). Aparentemente, ele não se referia também ao gosto, mas sim à cor das cervejas (Alworth, 2015, p.134). Segundo Oliver (2011, p. 185), as primeiras menções do termo apareceram em livros ingleses em meados do século XVIII (por volta de 1750). Jeff Alworth (2015, p. 132) afirma que as “Brown Ale” antigas (com o malte seco em forno a lenha) começaram a desaparecer quando as cervejarias começaram a mudar suas técnicas de malteação para produzir as Porter, na virada do século XVIII. Este sumiço durou aproximadamente 100 anos. Entre 1820 e 1920 aproximadamente, ela tornou-se raridade. Conforme Oliver (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, 2012, p. 197), “isso tudo mudou no final do século XVIII, com o advento de fornos de maltagem aquecidos com carvão que resultaram na introdução de maltes claros”. Isto fez com que as ale claras causassem furor no início e meados do século XIX. Também, em decorrência da utilização dos maltes claros de forma mais intensiva, deu-se o ressurgimento das “Brown Ale”, agora de uma forma mais moderna e com uma diferenciação mais contundente com relação às Porter e Stout. Por terem custos mais caros de fabricação em decorrência do uso do carvão na secagem do malte, as ale claras eram as preferidas das classes emergentes, ao passo que as “Brown Ale” eram as eleitas das classes operárias.
Alworth (2015, p. 132) apontou que a cervejaria Mann, Crossman & Paulin, de Londres, aproveitando-se de um momento em que as cervejas leves e doces, como as Mild e as Milk Stout, exerciam fascinação nos consumidores, foi pioneira em um estilo bastante próximo às “Brown Ale” modernas, criando, em garrafa, a Mann’s Brown Ale. A cerveja, todavia, demorou muito a ter sucesso. Ela tinha teor alcoólico bastante baixo (apenas 2,7%) e era intitulada, na época, como “a cerveja mais doce de Londres”. É um estilo raramente encontrado nos dias de hoje, mas catalogado como um dos estilos históricos pelo Guia BJCP (Beer Judge Certification Program).
Webb e Beaumont (2016, p. 50-51) afirmaram que, antes de 1914, muitas cervejarias inglesas produziam uma grande variedade de cervejas escuras. Para Bernstein (2013, p. 185), com as restrições do álcool – provavelmente a fim de reduzir o alcoolismo e, mais especificamente com a Lei de Defesa do Reino Unido, lei esta por meio da qual, em virtude da deflagração da Primeira Guerra Mundial, foram reduzidos os insumos básicos -, as cervejas passaram a se tornar mais leves e fracas.
Somente após tal período, a partir, portanto, do início da década de 1920, a “Brown Ale” passou a ser reconhecida e chegou-se a seu padrão moderno. O que se deu foi que, com a citada limitação no uso de insumos, tendo ficado as cervejas mais leves, os cervejeiros, a fim de mascarar a má qualidade das “Mild” escuras, bastante apreciadas nos pubs à época, passaram a adicionar às mesmas um conservante, engarrafando-as, o que fez surgir as “Brown Ale” em sua forma atual.
No entendimento de Michael Jackson (“The World Guide to Beer”, 1977, p. 167), na prática, as Brown Ale são a versão engarrafada das Mild escuras. Em 1924, o presidente da Scottish and Newcastle Breweries, no norte da Inglaterra, era consciente da demanda crescente por cervejas engarrafadas e a partir disso acabou criando, em 1927, aquela que veio a se tornar a mais famosa Brown Ale da História, com aproximadamente o dobro do teor alcoólico (4,7%) daquela produzida pela Mann’s.
Foi um tremendo sucesso, com inúmeras premiações. Ainda hoje, é a cerveja em garrafa mais vendida do Reino Unido.
A Newcastle Brown Ale, também chamada de “Newkie Broon”, devido à sua popularidade, ganhou ainda um outro apelido: “The Dog”. Os frequentadores de pubs do nordeste da Inglaterra geralmente referem-se às suas idas frequentes aos pubs como “sair para dar uma voltinha com o cachorro”. E sendo a Newcastle Brown Ale a que eles geralmente iam degustar nos pubs, a empresa lançou uma propaganda de massa referindo-se à sua cerveja como “The Dog” (“o Cachorro”).
Em Sunderland, a Vaux produziu outra clássica Brown Ale, a Double Maxim e, em Yorkshire, a Samuel Smith, esta mais independente e artesanal, foi a responsável por outra referência no estilo, a Samuel Smith’s Nut Brown Ale. Elas consolidaram-se e mantiveram-se em bom patamar de vendas até por volta da década de sessenta.
Nas décadas posteriores, ainda que praticamente todas as cervejarias britânicas mantenham ainda hoje em seu portfólio uma Brown Ale, elas diminuíram em produção e vendas rapidamente. Tal queda pode ser associada ao fato de que, com a redução da quantidade de trabalhadores na indústria pesada e migração para atividades mais intelectuais e considerando a ligação histórica das “Brown Ale” como sendo uma cerveja das classes operárias, as pessoas com um nível social e intelectual mais alto passaram a ter preferência pelas cervejas claras.
Alworth (2015, p. 136-137) advoga que, aparentemente, o ciclo das “Brown Ale”, em sua forma tradicional, chegou ao fim. Todavia, há uma certa tendência de aceitação das brown ale mais robustas e com maior teor alcoólico. Isto ocorre especialmente nos Estados Unidos, onde é prática usual na fabricação de cervejas a imperialização dos estilos, tornando-os mais fortes e encorpados. Mesmo na Inglaterra, contudo, tal tendência começa a ter destaque, a exemplo do que faz a cervejaria “The Kernel” (Webb e Beaumont, 2016, p. 51).
Falando nos Estados Unidos, os cervejeiros artesanais – sem qualquer vínculo com esta imagem negativa das “Brown Ale”-, ressuscitaram de forma criativa o estilo, alterando inclusive um pouco o seu processo de produção. Primeiramente, adaptaram as ale claras britânicas para, em seguida, dedicarem-se às “Brown Ale”.
O início desta adaptação das “Brown Ale” deu-se em meados da década de 1980. E este início foi com a cervejaria Pete’s, fundada em 1986. Alworth (2015, p. 135) de forma bastante interessante, esclarece que o estilo “Brown Ale”, como já destacado, não seria o estilo mais apropriado para se dedicar uma maior atenção, haja vista a sua queda a partir da década de 1960. Todavia, um outro estilo improvável, o de origem alemã “Vienna Lager”, alcançava, à época, grande sucesso em território americano, com a Boston Lager, feita pela Samuel Adams.
Pete Slosberg, fundador da Pete’s, decidiu apostar então em outro estilo “duvidoso”, uma Brown Ale. Com a Pete’s Wicked Ale, Slosberg esboçou os contornos da versão americana do estilo “Brown Ale”. Foi um sucesso por uma década, tornando-se a segunda cervejaria artesanal do país. Tinha alcance nacional e exportava para o Canadá, para a Austrália e para alguns países da Europa. A decadência aconteceu a partir de 1995, ano em que Slosberg fez grandes investimentos para expansão, na expectativa de que as vendas continuassem crescendo. Todavia, não foi o que ocorreu. Em 1998, a cervejaria foi vendida, mas não mais se recuperou. No início de 2011, a produção da Pete’s Wicked Ale foi encerrada. A razão para o declínio das vendas das “Brown Ale” foi que o mercado consumidor tinha definitivamente direcionado-se para as cervejas com foco em alta carga de lúpulos, o que não era o caso das “Brown Ale”. De qualquer forma, as Brown Ale, lá em seu início no mercado americano, aproveitaram-se de um vácuo que havia entre as ale claras e as Porter.
Em Oliver (“The Oxford Companion to Beer”, 2011, p. 186), menciona-se o fato de que cervejeiros artesanais de outros países não deram muita atenção às Brown Ale, mas algumas versões surgiram e surgem, da Escandinávia até o Brasil.
3 CARACTERÍSTICAS DOS ESTILOS
O estilo “English Brown Ale” é um estilo de cerveja em que a característica predominante é a riqueza do malte. Acrescido a isto, as cervejas do estilo apresentam ainda uma vasta quantidade de características. Segundo Amato (2014, p. 59), alguns exemplares são muito secos e com nozes, outros têm um rico dulçor de toffee e, apesar de em pequenos níveis, apresentam ainda notas frutadas (as mais comuns são de pera, maçã vermelha e passas). Também, são bastante comuns, em muitos exemplares, notas tostadas ou torradas. Possuem um teor alcoólico baixo, têm um corpo e carbonatação médios. Com relação aos lúpulos, o amargor é médio-baixo e os aromas e sabores baixos (notas de grama, frutadas ou herbais). São de cor cobre (âmbar-escuro) a marrom escuro, límpidas, com uma espuma de cor bege a bronze leve e de baixa a média formação. Um leve diacetil pode estar presente. Por ser um estilo originariamente inglês, cuja característica mais marcante é o equilíbrio, o balanço de maltes e lúpulos varia até se concentrar no malte. São mais comumente engarrafadas. Na aparência, podem ser confundidas com as “Extra Special Bitter”.
Uma particularidade do estilo “English Brown Ale” é que muitos autores reconhecem uma divisão entre os exemplares do norte da Inglaterra e os exemplares do sul da Inglaterra (Londres e arredores). Michael Jackson foi quem primeiro identificou tal diferenciação. Esta divisão, todavia, não é referendada por nenhum dos dois mais importantes Guias de Estilos de Cerveja: o BA (Brewers Association) e o BJCP (Beer Judge Certification Program).
Segundo Oliver (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, 2012, p. 197):
No Norte da Inglaterra, onde as pessoas se consideravam mais robustas do que os prósperos sulistas, surgiu uma versão mais forte, voltada para os trabalhadores que passavam seus dias nas minas e nas docas (e suas noites no pub).
Esta versão tem cor entre âmbar escuro e marrom avermelhado, aroma maltado, amargor de lúpulo médio e sabores de caramelo, biscoito e nozes no palato. Têm final seco e teor alcoólico entre 4,2 e 5%.
Já a versão do sul e região central, em regra, tende a ser mais doce (menos atenuada), menos seca e mais escura que a do norte (com cor acobreada ou rubi) e, raramente, supera os 4,2% de teor alcoólico. São suaves e o malte domina, com ricas notas de caramelo, toffee, ameixa e passas. Com respeito ao lúpulo, não difere das do norte, à exceção do amargor, que não aparece. São muito parecidas com as cervejas dos estilos “Mild Ale” ou “Sweet Stout”.
As cervejas do estilo “American Brown Ale”, em comparação com as do estilo homônimo inglês, são mais vigorosas, mais torradas, mais marrons e mais lupuladas. A grande maioria é bem lupulada, seca, com teor alcóolico entre 5 e 6% e com amargor moderado a elevado. São utilizados maltes tostados e caramelizados bem intensamente e lúpulos provavelmente americanos. A torrefação, até certo ponto deixada um pouco de lado pelos ingleses, é importante na versão americana, embora não dominante, já que o chocolate de sabor suave prevalece sobre o café. O maior uso dos maltes caramelizados proporciona maior corpo, doçura e sabores de caramelo. Os lúpulos americanos utilizados trazem amargor robusto e aromas cítricos, de frutas tropicais ou resinosos, bem prevalecentes. Na aparência, são bem carbonatadas, com a cor variando entre o marrom-claro e o marrom-escuro. O corpo é de médio a médio-alto, com o lúpulo proporcionando características de intensidade leve a média no aroma e no sabor. Ésteres de baixo a médio-baixo, com pouca ou nenhuma presença de diacetil. Médio a alto amargor e médio a alto aroma de maltes. Daniels e Parker (1998, p. 54-56) acrescentam ainda que é bem comum a utilização nas “American Brown Ale” de ingredientes não tradicionais como especiarias, milho, melaço, mel, ervas, frutas, etc.
Alguns autores fazem referência, ainda, à “Texas Brown Ale”. A cerveja com origem no estado americano surgiu de um movimento de cervejeiros caseiros, no sentido de fabricarem Brown Ale bem lupuladas (mas também maltadas como exige o estilo), como contraponto às ales claras com foco apenas nos lúpulos. Embora o movimento tenha sido expressivo, o estilo não é considerado nem no BA (Brewers Association), nem no BJCP (Beer Judge Certification Program).
Outros autores ainda mencionam a existência das “Robust Brown Ale” ou “Imperial Brown Ale”, ressalvando que, apesar de hoje em dia serem mais comuns nos Estados Unidos, não foram por eles inventadas. Os ingleses já as faziam, periodicamente, durante décadas. Na prática, são versões com maior força (imperializadas), bastante semelhantes às IPAs mais escuras. O BJCP, diferentemente do BA, inclusive reconhece a existência de um sub-estilo de IPA chamado “Brown IPA”, com o qual muito se confundem estas “Robust Brown Ale”.
3.1 PARÂMETROS DE ACORDO COM OS GUIAS DE ESTILO
As cervejas podem ser classificadas por diversos critérios: cor, ingredientes, métodos de produção, origem do estilo, teor alcoólico, etc.
A primeira classificação de cervejas de que se tem notícia foi publicada em 1977, no Livro “The World Guide to Beer” de autoria de Michael Jackson.
A classificação mais usual de cervejas é agrupá-las em estilos, cujo objetivo é descrever os parâmetros das que são referências na cultura cervejeira, possibilitando ao consumidor escolher entre diferentes rótulos e servir como guia para jurados e competidores nos concursos cervejeiros.
Os principais guias de estilo existentes atualmente são o guia do Programa de Certificação de Juízes de Cerveja (BJCP 2015 – Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines) e o guia da Associação de Cervejeiros dos Estados Unidos (BA 2018 – Brewers Association 2018 Beer Style Guidelines).
Em regra, o BJCP é utilizado em concursos de cervejas caseiras e o BA é utilizado em concursos de cervejas registradas nos órgãos oficiais.
Os estilos estudados aparecem com nomenclatura ligeiramente distinta nos dois guias.
No BA, os estilos estudados aparecem como “English – Style Brown Ale” (dentro dos “Estilos de Ale de Origem Inglesa”) e “American-Style Brown Ale” (este como “Estilo de Ale de Origem Norte-Americana”).
Por sua vez, no BJCP, aparecem, respectivamente, como “British Brown Ale” (dentro da categoria “Cerveja Britânica Marrom”) e “American Brown Ale” (na categoria “Cerveja Âmbar e Marrom Americana”).
A tabela a seguir apresenta um comparativo dos principais parâmetros dos estilos nos dois guias:
Parâmetro | Brown Ale – BA 2018English | Brown Ale – BA 2018American | Brown Ale – BJCP 2015English | Brown Ale – BJCP 2015American |
Cor (EBC) | 24-34 | 30-52 | 24-44 | 36-70 |
Densidade Inicial | 1.040-1.050 | 1.040-1.060 | 1.040-1.052 | 1.045-1.060 |
Densidade Final | 1.008-1.014 | 1.010-1.018 | 1.008-1.013 | 1.010-1.016 |
Álcool (ABV) | 4,2-6,0 % | 4,2-6,3% | 4,2-5,4% | 4,3-6,2% |
Amargor (IBU) | 12-25 | 25-45 | 20-30 | 20-30 |
Com base nos parâmetros expostos na tabela acima, algumas conclusões podem ser extraídas:
– Para o estilo “English Brown Ale”:
a) no tocante à cor, o BJCP admite cervejas mais escuras no limite máximo (44 EBC) que o BA (34 EBC);
b) no tocante às densidades (gravidades) original e final das cervejas, ambos os guias têm parâmetros inicial e final muito próximos;
c) no tocante ao teor alcoólico, o BA admite cervejas com até 6% de ABV, ao passo que o BJCP estabelece como percentual máximo 5,4%;
d) no tocante ao amargor, tanto no limite inferior quanto no limite superior, o BJCP aceita valores maiores (20 e 30 IBU, respectivamente) que o BA (12 e 25 IBU, respectivamente).
– Para o estilo “American Brown Ale”:
a) no tocante à cor, o BJCP admite cervejas mais escuras tanto no limite mínimo (36 EBC) quanto no limite máximo (70 EBC) que o BA (30 EBC no limite mínimo e 52 EBC no limite máximo);
b) no tocante às densidades (gravidades) original e final das cervejas, ambos os guias têm parâmetros inicial e final muito próximos;
c) no tocante ao teor alcoólico, os parâmetros também são praticamente idênticos;
d) no tocante ao amargor, o BA, tanto no limite inferior quanto no limite superior (25 e 45 IBU, respectivamente), aceita valores maiores que o BJCP (20 e 30 IBU, respectivamente).
3.2 DESCRIÇÕES SENSORIAIS DE ACORDO COM OS GUIAS DE ESTILOS
Fazendo uma análise do tratamento que os dois guias (BA e BJCP) dedicam aos aspectos visual, olfativo e gustativo das cervejas enquadradas nos dois estilos estudados (English e American Brown Ale), algumas considerações merecem atenção.
No que tange às “English Brown Ale”, as principais características das cervejas deste estilo estão descritas de maneira bastante semelhante em ambos os guias de estilo, com alguns pequenos detalhes.
Quando mencionam os aromas e sabores oriundos dos maltes, o BA define apenas que pode haver notas de biscoito ou de tostado no aroma e que notas torradas podem contribuir para o perfil de sabor.
O BJCP fornece maior detalhamento, ressaltando, que além do caráter já definido no BA, no sabor, há a possibilidade de existência de notas com caráter de noz, amêndoa, castanha, toffee, suave chocolate e caramelo. E no aroma, menciona uma característica de caramelo de leve a muito intenso, que é omitida no BA.
Além disso, o BJCP é mais detalhado no aspecto visual, indo além dos parâmetros para cor, ao estabelecer que são cervejas límpidas, com baixa a moderada formação de espuma de cor bege claro à bronze leve, quando o BA, além da cor, apenas faz menção ao brilho, dizendo que a turbidez a frio é aceitável em baixas temperaturas.
Também no que se refere à sensação de boca, o BJCP, além do corpo, que define como médio-baixo a médio, fala que a carbonatação é média a média-alta. O BA, a seu turno, apenas fala em corpo médio, sem qualquer menção à carbonatação.
Com respeito às “American Brown Ale”, tanto o BJCP quanto o BA, da mesma forma que o fizeram para as Brown Ale inglesas, apresentam descrições semelhantes para o estilo. No aroma e no sabor do malte, o BJCP, além do caramelo, chocolate e tostado, também mencionados no BA, acrescenta o caráter “Nutty” (de nozes).
Em ambos os guias, o aroma de lúpulo vai de baixo a moderado, mas o BJCP fala que algumas interpretações podem apresentar um aroma mais forte, derivado dos modernos lúpulos americanos ou do novo mundo.
O BJCP, diferentemente do BA que se omite, fala que o final é balanceado a semi-seco e oferece um retrogosto tanto de malte quanto de lúpulo. Assim como para o estilo inglês de brown ale, também para as versões americanas, o BJCP é mais completo que o BA tanto no aspecto visual quanto na sensação de boca. Ele fala que as brown ale americanas são límpidas, apresentam uma espuma em tom bege claro a bege escuro, de formação moderada e têm carbonatação moderada a moderada alta.
3.3 COMPARAÇÃO COM OUTROS ESTILOS
Por fim, na comparação dos dois estilos, “English Brown Ale” e “American Brown Ale”, com outros estilos, o BJCP diz o seguinte:
English Brown Ale: São mais balanceadas para o malte que as bitter inglesas, com mais sabores de maltes dos grãos escuros. Mais fortes do que as Mild escuras, contudo menos tostadas que as Porter inglesas. São ainda mais fortes e muito menos doces do que suas predecessoras históricas, as London Brown Ale.
American Brown Ale – Têm mais sabor de chocolate e caramelo que as ale claras americanas e que as Amber Ale, também, com menos amargor no balanço. Menos amargor, álcool e caráter de lúpulo do que as intituladas “Brown IPA”. São mais amargas e mais lupuladas (características dos lúpulos americanos ou do novo mundo) do que suas parentes inglesas, com ainda mais presença de malte e geralmente mais álcool.
4 INGREDIENTES E PROCESSO DE FABRICAÇÃO
4.1 INGREDIENTES
As características finais de uma cerveja (perfil de aroma e sabores desejados) são determinadas pelos ingredientes escolhidos e pelo processo de fabricação utilizado. A utilização de processos tradicionais e ingredientes de mesma origem do estilo são pontos essenciais para a reprodução de um estilo, mas, o mais importante e fundamental é que o cervejeiro saiba exatamente que características deseja que sua cerveja tenha. Ao escolher os maltes, lúpulos, leveduras e aditivos e definir o processo de fabricação, o cervejeiro constrói a receita, determinando o perfil de sua cerveja.
4.1.1 Malte
O principal ingrediente de uma Brown Ale é o malte. O malte, além de produzir o açúcar necessário para o mosto, de modo que haja, posteriormente, a fermentação e exista, enfim, a cerveja, define a personalidade desta evidenciada pela cor, sabor e corpo.
Nas Brown Ale, basicamente, são duas as fontes: extrato de malte pré-embalado (líquido ou seco) ou mistura de grãos selecionados pelo cervejeiro. Os extratos secos geralmente possibilitam uma previsível quantidade de gravidade para a produção, enquanto os líquidos não.
As Brown Ale, assim como a maioria das ale inglesas, compõe-se principalmente de Malte Claro ou um substituto similar. Além deste, Daniels e Park (1998, p. 64) ressaltam a utilização também de uma pequena porção de grãos (geralmente, de 10 a 20% do total) composta de maltes especiais. Em regra, estes maltes especiais são o malte Cristal (de 8 a 13% do total) que adiciona corpo, caramelo, cor e complexidade, e o malte Chocolate (de 2 a 3% do total) que acentua a coloração e adiciona o torrado e, às vezes, até o queimado, no sabor da cerveja. Além destes, podem ainda ser adicionados quaisquer dos muitos outros maltes especiais disponíveis (maltes Caramelo, Preto, Torrado, Biscoito, Tostado Especial e Munich, por exemplo), cada um deles contribuindo com uma ou mais caraterísticas específicas, a critério do cervejeiro.
Os americanos ainda usam trigo e dextrina ou malte Carapils que incrementam o corpo e a retenção de espuma, sem contribuir com quase nada em sabor. Na Inglaterra, às vezes, se utiliza milho em pequenas quantidades, para amenizar o corpo e o sabor, bem como trigo torrado, para melhorar o corpo e a formação e retenção de espuma. Cervejeiros mais modernos usam, ainda, uma alta proporção de aveia (em flocos), o que proporciona um preenchimento de boca mais rico e suave nas Brown Ale.
Os cervejeiros ingleses geralmente usam menor quantidade de malte cristal que os americanos. Inversamente ocorre no que diz respeito ao malte chocolate, em que os ingleses usam maior quantidade que os americanos.
4.1.2 Lúpulo
Dependendo do estilo de brown ale que se deseja produzir (americana ou inglesa), o lúpulo pode ter um papel principal ou de coadjuvante (Daniels e Parker, 1998, p. 74-75).
Os fabricantes ingleses geralmente utilizam as variedades de lúpulo inglesas, sendo as mais populares Fuggles, Goldings, Challenger e North Down. O East Kent Goldings é considerado o mais fino lúpulo aromático inglês, seguido em preferência pelo Fuggles. Os outros dois, Challenger e North Down são mais vistos em papéis de amargor.
Os cervejeiros americanos, a seu turno, utilizam além dos lúpulos ingleses, também, os americanos ou mesmo alguns alemães (Tertnang e Saaz, por exemplo). Os preferidos são Cascade, Chinook e Centennial, os quais produzem características bastante típicas das cervejas artesanais americanas (condimentado, resinoso, cítrico). O Cascade é mais utilizado em aroma e sabor, o Centennial (com grande quantidade de alfa-ácidos) produz bastante amargor e o Chinook é muito utilizado em adições tardias de lúpulo (“Dry-Hopping”).
4.1.3 Levedura
Ainda segundo Daniels e Parker (1998, p. 83), na escolha da levedura, os cervejeiros consideram 3 fatores primordiais: atenuação, floculação e impacto no sabor.
A atenuação é a capacidade da levedura de metabolizar os vários açúcares disponíveis no mosto. A floculação é a habilidade das células da levedura de se aglutinarem formando um compacto bolo durante e depois da fermentação. Já o impacto que a levedura gera no sabor dá-se de algumas formas: a) extensão em que os subprodutos normais, como os ésteres frutados e o diacetil, ficam na cerveja finalizada; b) a ênfase que a levedura pode impactar nas características do malte e/ou do lúpulo.
Os fabricantes americanos tendem a usar leveduras mais limpas que não contribuem com muito além de um nível frutado agradável. São adequadas as que tenham um perfil de média a alta atenuação, com produção de ésteres frutados em baixos níveis e nenhum diacetil e, principalmente, que acentuem as características do(s) lúpulo(s).
Na Inglaterra, contudo, são usadas leveduras com perfis distintos. Isso, especialmente, em virtude da diferença entre as Brown Ale do norte e as do sul. As do norte, sendo mais secas, requerem uma levedura de atenuação média a alta, com floculação média a alta (desde que não prejudique a atenuação), que produza diacetil e ésteres frutados em pequena quantidade, bem como que acentue o caráter do malte. Já nas do sul, por serem mais doces e mais encorpadas, são usadas leveduras com menos atenuação e que produzam diacetil e ésteres frutados em quantidades moderadas.
4.1.4 Água
No entendimento de Daniels e Parker (1998, p. 89), a água não é uma preocupação na fabricação das Brown Ale. Os grãos escuros usados nas Brown Ale compensam muito bem o excesso de alcalinidade porventura existente, o problema mais comum na água cervejeira. Além disso, em quaisquer dos estilos de Brown Ale, nenhum componente mineral é elemento essencial contribuindo no sabor clássico.
Poucos aspectos merecem alguma reflexão. Em relação às Brown Ale inglesas, caso a água seja muito mole, é necessário que sejam adicionados suplementos minerais (cloreto de sódio e gesso/sulfato de cálcio, por exemplo). Já para as americanas, caso tenham mais ênfase no malte, o tratamento deve ser o mesmo dado às inglesas. Entretanto, para as versões mais lupuladas e amargas, deve-se proceder de forma diferente. A alcalinidade da água, em cervejas bem lupuladas, pode acentuar o amargor, deixando-o desagradável. Assim, deve ser feita a redução do alto nível de alcalinidade da água, ou por meio de diluição de água destilada ou pela fervura precipitando o carbonato de cálcio.
Os cervejeiros comerciais americanos às vezes fazem uso de um acidulante para conservar a alcalinidade da água. Se usado em excesso, este ácido resulta em cervejas muito secas e altamente ácidas, que as leva a se distanciarem do perfil desejado para uma Brown Ale.
4.1.5 Outros Ingredientes
No curso da História, muitos ingredientes foram utilizados na fabricação das Brown Ale. Alguns, como ervas e condimentos, tiveram parte de sua função assumida pelos lúpulos. Outros, como o melaço e o açúcar mascavo, tornaram a produção mais econômica ou possível quando em época de crise. Estes ingredientes adicionais contribuem não apenas como açúcar fermentável, mas também com sabor.
Ainda hoje, muitas cervejarias britânicas e, também, americanas, continuam a adicioná-los na fervura ou quando a cerveja já está finalizada (maturação), sendo bastantes comuns os açúcares que têm poucos componentes de sabor e são completamente fermentáveis. Os sabores provenientes de ingredientes adicionais e que tenham algum açúcar são oriundos dos componentes não-fermentáveis (por exemplo: lactose).
4.2 PROCESSO
Com a exceção da Newcastle Brown Ale, que é uma mistura de 2 (duas) ale produzidas separadamente, as técnicas de produção das Brown Ale seguem um mesmo padrão na Inglaterra (Daniels e Parker, 1998, p. 105). Os cervejeiros americanos também utilizam as mesmas técnicas, com algumas poucas peculiaridades. Talvez seja esta uma razão para que toda cervejaria tenha em seu portfólio um exemplar de brown ale, ainda que elas não sejam, já a um tempo, grande sucesso em vendas.
Na brassagem, grandes cervejarias utilizam dois recipientes separados para a mostura e a filtragem. As pequenas cervejarias, tanto na Inglaterra, quanto nos Estados Unidos, usam um recipiente único.
As fervuras devem ser mais longas para que se alcance a caramelização, o que adiciona complexidade em cor e sabor à cerveja. As versões inglesas são feitas com uso de 2 (duas) ou até 1(uma) adição de lúpulo apenas. Já as americanas podem ter procedimentos mais complexos.
Na Inglaterra, algumas cervejarias substituem o whirlpool por um tanque de superfície retangular mais raso, onde o trub e os lúpulos alcançam o topo mais rapidamente que num recipiente mais profundo, como é o caso do primeiro. Tem-se um risco potencial maior de contaminação do mosto, de modo que o tempo neste tanque deve ser apenas o necessário para a clarificação do mosto.
Para o resfriamento do mosto, a maioria dos fabricantes ingleses usa um trocador de calor. Nos Estados Unidos, comumente, é usado o resfriador direto do whirlpool.
Os cervejeiros americanos veem a fermentação de uma forma bem simplificada e a prática já é bem estabelecida. Fermentadores cilíndricos-cônicos existem em toda cervejaria. O que varia é a temperatura durante a fermentação, dependendo da levedura selecionada, das preferências do cervejeiro e dos equipamentos disponíveis.
Na Inglaterra, muitas cervejarias que produzem clássicas Brown Ale têm funcionado por mais de 100 anos no mesmo local, de modo que a levedura seja mantida estável nos parâmetros de operação.
Daniels e Parker (1998, p. 114) destacam uma curiosidade. É que dois dos mais incomuns sistemas de fermentação são encontrados na Inglaterra e utilizados na produção de “Brown Ale”: o Yorkshire Slate Squares (utilizado pela Samuel Smith’s) e o Burton Unions (usado pela Marston’s). Todo bom apreciador de cerveja tem profundo prazer ao degustar um exemplar fabricado a partir da utilização de um destes sistemas.
Em relação ao acondicionamento, na Inglaterra, a maioria das Brown Ale é engarrafada, sendo que alguns aditivos de sabor (não-fermentáveis ou fermentáveis) e/ou lúpulos (dry-hopping) podem ser adicionados durante a maturação. Apesar da maior parte delas ser engarrafada, elas podem ser perfeitamente acondicionadas em barris, uma vez que não exigem nenhum envelhecimento ou manuseio especial. Por serem muito maltadas, o que impede um nível de carbonatação alto, caso sejam engarrafadas, como é o mais comum, deve ser feito um ajuste aumentando este nível (priming).
5 HARMONIZAÇÃO
Tanto as versões inglesas das Brown Ale quanto as americanas, por terem como ingrediente principal o malte – composto de grãos torrados e caramelizados que geram um perfil sensorial com notas de caramelo, toffee e nozes -, combinam perfeitamente bem com carnes de modo geral. Claro que, dependendo da forma de cocção (cozimento) da carne, a versão inglesa pode combinar melhor ou não que a versão americana. Arreguy (2017, p. 91) destaca que, para a carne, por exemplo, são formas distintas de cocção o fritar, o grelhar, o cozinhar em algum molho, o cozinhar em caldo curto, etc.
O torrado e o caramelado das “English Brown Ale” combinam muito bem com o exterior tostado da carne grelhada. Com carne de porco, em qualquer prato, mas especialmente se for lombo assado, a harmonia é perfeita. Outro prato com carne de porco com que as inglesas casam perfeitamente, exemplo dado por Arreguy (2017, p. 91-93), é a costelinha mineira, acompanhada com ora pro nobis (uma folha exclusivamente encontrada em Minas Gerais, sem nenhum gosto especial, mas que tem internamente uma espécie de gel viscoso) e canjiquinha (milho quebrado formando uma massa líquida bastante temperada). Ambos acompanham perfeitamente a costelinha. A costelinha cozida, se desfaz em fios, desmanchando na boca, deixando uma sensação untuosa, mas deliciosa, da gordura da carne. Em seu preparo, a costelinha de porco é refogada permitindo que sua própria gordura seja liberada e vá fritando a carne, regada, por algumas vezes, com um pouco de água para que o sabor seja apurado. O tempo de cozimento, dourando a superfície, carameliza e amacia a carne e, ao final, estará guarnecida por um caldo de cor morena que lhe conferirá a cor.
A semelhança entre os grãos e a carne, em termos de dulçor, é evidente. O amargor médio dos lúpulos ingleses equilibra o adocicado do malte e ameniza a untuosidade da carne. O final seco contrasta, de forma interessante, com a viscosidade do prato. As Brown Ale mais doces ficam também excelentes com vieiras tostadas e com foie gras, em que o caramelado decorrente do malte harmoniza com a doçura e delicadeza dos pratos.
Pratos com cogumelos, como, por exemplo, um risoto de funghi, também harmonizam com as inglesas, pela associação dos sabores terrosos do prato com o caráter torrado da cerveja. Assim, também com pratos com fígado como, por exemplo, fígado acebolado, harmonização considerada perfeita por Beaumont (2016, p. 214-215). Uma harmonização cultural (regional) bastante conhecida e citada por Dredge (2016, p. 89) é a das Brown Ale inglesas com um clássico dos pubs, o “Bangers and Mash” (linguiça com purê de batata).
A seu turno, churrasco (carne assada) combina melhor com as “American Brown Ale”. No churrasco, a carne não é colocada diretamente sobre a chama (isto seria grelhar). Ela deve ser assada lentamente, usando o calor indireto e a fumaça. As versões americanas, por terem, em regra, um amargor mais robusto, fazem uso deste para atravessar a gordura da carne. Os aromas do lúpulo (na maior parte das vezes, com perfil bastante cítrico) associam-se aos temperos fortes utilizados na carne. O malte da cerveja, com seus sabores adocicados, combina com os sabores da carne. Os sabores torrados do malte também fundem-se aos sabores defumados da carne. E a carbonatação ameniza estes sabores fortes, deixando o paladar limpo. Enfim, é uma harmonização perfeita.
Pratos com a carne como ingrediente principal, mas apimentados, como por exemplo, a carne moída à moda mexicana (chilli, com ou sem feijão), também têm grande harmonia com as brown ale americanas. Aliás, segundo Oliver (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, 2012, p. 438-439), não só a carne moída, mas a culinária mexicana, de modo geral, por utilizar bastante vários cozidos de carne, ricos e complexos, amêndoas, sucos a base de limão-galego e pimentas ardidas, formam ótima combinação com as americanas. A carne e as amêndoas combinam com os sabores maltados da cerveja e os demais ingredientes (sucos a base de limão-galego e pimentas ardidas) com os lúpulos americanos.
Em termos de harmonização cultural, Dredge (2016, p. 123) cita a de Brown Ale americanas com a famosa pizza branca nova-iorquina. Trata-se de uma pizza de alcachofra, com grossas fatias cobertas com molho branco cremoso, mussarela de búfala derretida, pecorino romano, alcachofra e espinafre.
Ambas as versões (inglesa e americana) vão bem com a maioria dos molhos, à exceção dos que sejam muito doces. Um prato que vai também perfeitamente com ambas as versões é a sopa de cebola coberta com queijo gruyére. Herz e Conley (2015, p. 122) comenta sobre a harmonização desta com as versões americanas de Brown Ale. A sopa tem os sabores da reação de maillard (caramelização) ocorridas no pão e na cebola e o umami do gruyére (nozes/cogumelos). O queijo adiciona mais sabores torrados, casando com os maltes torrados da cerveja. A baixa acidez da cerveja combina com o sal que é o elemento central do prato. O álcool ajuda a conter a intensidade da sopa, mas sem sobreposição. O amargor contrasta com a gordura do queijo e ameniza o sal.
Para carnes frias, tais como rosbife, presunto, carne de porco, ambas as versões têm boa harmonização, mas as americanas saem melhor. Isto deve-se ao fato de que a carne, ao esfriar, tem sua gordura solidificada, com concentração dos sabores, o que exige, para uma melhor harmonização, uma cerveja com maior amargor.
Com sanduíches (hambúrgueres), ambas as versões combinam bem, mas são preferíveis as americanas, mais lupuladas, que combatem a gordura do prato com mais efetividade.
Nenhuma das duas versões lida particularmente bem com frutos do mar, à exceção das inglesas que harmonizam com as vieiras tostadas, como já ressaltado anteriormente, tese defendida por Oliver (“A Mesa do Mestre Cervejeiro, 2012, p. 199-200).
Diferentemente do que acontece quando combinadas com sobremesas doces e/ou com nozes (bolo de nozes, bolo de chocolate, etc.), em que há boa compatibilidade (Herz e Conley, 2015, p. 122), as Brown Ale repudiam sobremesas de frutas (Dredge, 2016, p. 88).
Herz e Conley (2015, p. 148-155), quando o assunto é queijo, defendem que a harmonização das “Brown Ale” dá-se de forma melhor com os queijos salgados, os com nozes e os amanteigados, tais como comté, gouda envelhecido e manchego. A riqueza destes tipos de queijos potencializa as características de café, de chocolate, de torrado e do “nutty” encontradas no malte da cerveja. Mas, de modo geral, dão-se bem com muitos outros tipos de queijos. Com os levemente maturados de casca macia, fofa e branca, como o Brie e o Camembert; com os de médio amadurecimento, como o não tão conhecido no Brasil Monterey Jack; com os de casca natural e seca, como o inglês Stilton e com os meio duros, como o Gouda, o Cheddar e o Gruyére.
Por fim, quando o assunto é a harmonização entre chocolate e cerveja, Herz e Conley (2015, p. 155-160) concluem que as Brown Ale combinam com chocolate branco e chocolate ao leite. O chocolate branco, suave, cremoso, com baixo sabor de cacau, é muito pouco amargo, desde que sem licor de vodka (que é o normal) e, assim, casa melhor com as versões inglesas, onde o malte da cerveja combina com o dulçor de leite do chocolate e o amargor não tão elevado da cerveja faz um interessante contraste. O chocolate ao leite, por sua vez, com adição de leite, com moderada presença de cacau, lida melhor com as americanas. Isto porque sendo, em regra, mais lupuladas, com maior amargor, têm uma intensidade mais próxima da carga de cacau do chocolate, sem que a bebida sobrepuje o prato ou vice-versa.
6 CERVEJAS REFERÊNCIAS DOS ESTILOS
Constituindo-se o estilo Brown Ale em um estilo originário da Inglaterra, é natural que as principais cervejas referências do estilo sejam de lá. São elas a Newcastle Brown Ale, a Samuel Smith’s Nut Brown Ale e a Maxim Double Maxim. Passo a discorrer sobre cada uma delas.
Newcastle Brown Ale
Produzida pela primeira vez em 1927 pela “Scottish and Newcastle Breweries”, tinha, como público-alvo, os trabalhadores portuários de Tyneside, no nordeste da Inglaterra e, como objetivo, concorrer com as cervejas de Burt-on-Trent e Midlands, que estavam em contínuo crescimento de vendas, além de se diferenciar fazendo uso do envase em garrafas, tendência de demanda que o fundador da cervejaria já observava desde o pós 1ª. Guerra Mundial. Sua fama em escala nacional deveu-se a uma geração de universitários que a descobriu depois que a cervejaria venceu uma concorrência e firmou um contrato para fornecer cerveja para centenas de bares frequentados por eles em todo o Reino Unido (Tierney-Jones, 2011, p. 201). Recebeu inúmeras premiações nos anos subsequentes à sua criação e é também conhecida como “Newkie Broon”. Desde 1960, houve sucessivas fusões e aquisições entre as fabricantes dela, de modo que, hoje em dia, ela é de propriedade do grupo Heineken. É a cerveja engarrafada mais vendida do Reino Unido. Também, tem grande volume de exportação. Ela é produzida com uma mistura de um malte claro com um malte caramelo mais escuro e tem 4,7% de teor alcoólico (ABV) e 18 unidades-referência de amargor (IBU). Não é exatamente marrom, como sugere o estilo. Na verdade, tem bela tonalidade mogno (mais para avermelhada que para marrom), é translúcida, reluzente e tem um leve aroma de frutas (maçã), malte, feno e açúcar queimado, com baixa carbonatação. Apresenta equilíbrio entre um amargor contido e maltes frutados, em um centro vinhoso de corpo médio, com algum caramelo, notas de toffee e uma sugestão de chocolate. Não apresenta aromas de lúpulo. O final é rápido e seco, com sabor residual de banana.
Samuel Smith’s Nut Brown Ale
É mais robusta que a Newcastle. Muito encorpada, com características de malte tostado e nozes e com consistência não encontrada em nenhum outro exemplar do estilo. Tem 5% de teor alcoólico (ABV) e índice de amargor de 30 IBU. A coloração é marrom-cobre profundo e forma uma espuma volumosa e persistente. Límpida, com carbonatação baixa. O aroma é uma mistura de maltes caramelizados (nozes e toffee, principalmente), torta de maçã, lúpulos com sabores terrosos (feno) e manteiga caramelizada. Possui amargor contido, mas estimulante. O corpo é médio, com sabores de caramelo em um centro frutado (passas e groselha). Bastante equilibrada. Apresenta uma secura, em decorrência da água dura que é utilizada (de Tandcaster) e uma ligeira sugestão de madeira ao final. É fabricada com água de uma fonte utilizada pela cervejaria desde 1758 (Daniels e Parker, 1998, p. 35).
Maxim Double Maxim
Produzida inicialmente em 1901 pela Vaux Brewery, em Sunderland, Inglaterra. Em um primeiro momento, chamava-se Maxim Ale. Conforme Tierney-Jones (2011, p. 102):
“Foi criada em homenagem a um destacamento de soldados da área, os Hussardos, que haviam voltado para casa em segurança, vindos da Guerra dos Boers, na África do Sul. No combate, eles usaram a mortal Maxim, primeira metralhadora automática do mundo, capaz de dar 600 disparos por minuto. As tropas eram comandadas pelo major Ernest Vaux, cujo avô, Cuthbert Vaux, foi o fundador da cervejaria em 1837”.
Tem sabor harmonioso e frutado. Conta-se que, quando foi criada e vendida nos pubs, era considerada muito forte e fazia a clientela, literalmente, “cair no sono”. Em 1938, passou a ser chamada “Double Maxim” e o teor alcoólico, paradoxalmente ao novo nome, foi reduzido. Tornou-se um sucesso regional e era considerada a versão de Sunderland da Newcastle Brown Ale. A cervejaria Vaux sobreviveu até 1999, quando foi demolida. Porém a Double Maxim Beer Company, fundada em 1999 por 2 ex-diretores da Vaux, retomou a produção da cerveja. A cerveja tem um corpo cheio e é arredondada em sabores, com notas carameladas doces e um toque picante de frutas. É bem equilibrada e harmoniosa, com uma doçura delicada. O final é persistente, com doçura e amargor presentes. Seu teor alcoólico é de 4,7% ABV e o índice de amargor não é informado pela fabricante.
Apesar de ser o “American Brown Ale” um estilo mais recente, como visto, de meados da década de 1980, há também algumas cervejas referências para o mesmo. A seguir, são citadas e comentadas.
Avery Ellie’s Brown Ale
Em Tierney-Jones (2011, p. 116), tem-se a Avery descrita como uma cervejaria com reputação de audaciosa na criação de cervejas, mas nem sempre foi assim. Em meados dos anos 1990, a Avery era considerada excelente do ponto de vista técnico, às vezes até audaciosa, mas nada que causasse agitação no mercado consumidor. Em 1996, houve uma mudança nos padrões. Isto ocorreu com uma agressiva IPA (India Pale Ale), que acabou tornando-se, um pouco mais tarde, a mais vendida da cervejaria. Sua brown ale tem teor alcoólico de 5,5% ABV e índice de amargor de 28 IBU e tem esse nome, Ellie, em homenagem ao cachorro labrador, cor de chocolate, de Avery. Em 2007, foi escolhida como a melhor no estilo por uma banca de especialistas do “The New York Times”. É encorpada, de cor marrom e vibrante no copo, com uma espuma cremosa, cor de canela e persistente. Tem ricos aromas (como de pão assado), sabores (de avelã) e textura, com destaque para chocolate doce e malte caramelo do começo ao fim, todavia, ligeiramente, no início, por um leve caráter torrado/tostado e, depois, por lúpulos terrosos.
Abita Turbodog
Nos estados do sul dos Estados Unidos, o progresso da cerveja artesanal, em geral, foi mais lento que nas demais regiões do país. Mas há exceções, como a Abita Brewing Company (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, Oliver, 2012, p. 440-441). Fundada em 1986, em uma pequena cidade de nome Abita Springs, na Louisiana, tendo sido o local escolhido pela excelente qualidade das fontes de água lá existentes, antes, inclusive, já famosas por suas características medicinais (Tierney-Jones, 2011, p. 828). A Turbodog tem um tom marrom profundo e, no aroma, apresenta toffee, ameixas-pretas, uvas passas e chocolate. É encorpada e seca. No paladar, tem um centro vinhoso, com destaque para frutas escuras e caramelo, em equilíbrio com um amargor moderado. O final é seco e prolongado, com notas terrosas e carameladas. Seu teor alcoólico é de 5,6% de ABV e o índice de amargor alcança 28 IBU.
Brooklyn Brown Ale
No início dos anos 90, a Brooklyn Brewery tinha apenas uma cerveja de linha, a Brooklyn Lager. Contudo, um dos fundadores tinha uma brown ale caseira forte e bem lupulada (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, Oliver, 2012, p. 439). Tomando esta cerveja caseira como base, o mestre-cervejeiro fez uma adaptação para as festas de fim de ano. Ela foi um sucesso e tornou-se uma cerveja de linha. Tem tonalidade marrom-mogno profundo e aromas de caramelo e chocolate, com frutas, além de lúpulos cítricos. O amargor é pronunciado, mas inferior a um paladar encorpado, maltado e seco, também, com sabores de caramelo e chocolate e até um certo torrado de café. Tem um final prolongado, com sabor residual de frutos secos. É uma das mais populares cervejas escuras do nordeste dos Estados Unidos. O teor alcoólico é de 5,6% de ABV e o amargor é de 30 IBU.
Smuttynose Old Brown Dog Ale
A Old Brown Dog Ale foi produzida inicialmente em 1988, na Northampton Brewery (Alworth, 2015, p. 139). Em 1989, conquistou a medalha de prata em sua categoria no Great American Beer Festival. Em 1993, em Portsmouth, foi fundada a primeira cervejaria artesanal do estado de New Hampshire, a Smuttynose, que vendeu sua primeira cerveja em 1994, passando também a ser a fabricante da Old Brown Dog Ale (“A Mesa do Mestre Cervejeiro”, Oliver, 2012, p. 440). É conhecida por ser uma cervejaria bastante criativa em rótulos e hábil na torrefação de maltes. A cerveja tem cor marrom-ferrugem, aroma frutado e condimentado com fragrâncias de lúpulo, caramelo e chocolate. No paladar, ela é suave e redonda, com amargor moderado em equilíbrio com a suculenta doçura do caramelo. O final é seco e prolongado, com um residual de amargor e café torrado. As nozes são um suporte para o conjunto formado pelo torrado, pelo caramelo e pelos sabores de cacau. Tem teor alcoólico de 6,5% de ABV e amargor de 30 IBU.
Falando do Brasil, não há cervejas que possam ser consideradas como referências consolidadas para nenhum dos dois estilos de Brown Ale (o inglês e o americano). Todavia, há alguns exemplares de ótima qualidade e que já começam a se destacar como as melhores dentro de cada um dos estilos. Esse destaque pode ser comprovado pelas premiações que elas têm obtido nos concursos de cerveja mais importantes tanto em nível nacional quanto em nível internacional (livro “1000 Cervejas Premiadas Brasileiras’, Altair Nobre, 2018) e pelas avaliações de consumidores no aplicativo “Untappd”. Em seguida, menciono e faço comentários acerca delas.
Em relação às English Brown Ale produzidas no Brasil, temos:
Bragantina Brown Ale
Medalha de Prata no Festival Brasileiro da Cerveja de 2018 e Ouro no mesmo Festival em 2019 e Medalha de Ouro na South Beer Cup em 2018. Cerveja de sabor maltado que remete a notas de pão tostado, toffee, avelã e café. Tem corpo médio baixo, com amargor moderado e notas herbais provenientes dos lúpulos ingleses utilizados. Com teor alcoólico de 5,5% ABV e índice de amargor de 26 IBU.
Taberna do Vale Brown Ale
Medalha de Prata no Festival Brasileiro da Cerveja em 2015 e Bronze no mesmo Festival em 2016. Medalha de Bronze na South Beer Cup em 2014 e Prata na edição de 2015. Medalha de Prata na Copa das Cervezas de América em 2016. Cerveja de coloração acastanhada e límpida, de média carbonatação e com uma espuma bege clara pequena e de baixa persistência. Tem aroma levemente adocicado com notas de toffee, nozes e caramelo, um leve e refrescante aroma de lúpulo de origem inglesa, final meio seco e amargor moderado. O teor alcoólico alcança 5% de ABV e o amargor 17 IBU.
Dama Bier Santa Muerte Nut Brown Ale
Medalha de Bronze no Australian Beer Awards 2014, Ouro na South Beer Cup em 2015 e Ouro no Festival Brasileiro da Cerveja em 2016. Apresenta, no aroma e no sabor, tons sutis de torrefação, chocolate, nozes e amêndoas, com leve dulçor e final seco. No aroma, ainda se destacam com origem no lúpulo, notas cítricas, terrosas e picantes. Tem baixo corpo e amargor proeminente, porém, bem equilibrado com os maltes. Seu teor alcoólico é de 4,8% e, na escala de amargor, tem 25 IBU.
Votus 004
Medalha de Ouro na Etapa Nacional no World Beer Awards em 2017 e 2018. No aroma, apresenta toques de caramelo, amêndoas e chocolate amargo, o que se confirma no paladar. O final é adocicado, torrado e meio seco, com o amargor estando presente de forma sutil. Tem cor acastanhada, teor alcoólico de 4,9% e o amargor é de 25 IBU.
Merece também ser citada como uma boa “English Brown Ale” a Das Bier Braunes Ale, bem avaliada no aplicativo “Untapp” e premiada com a Medalha de Bronze na South Beer Cup em 2012 e, também, com o Bronze no Festival Brasileiro da Cerveja em 2014.
No tocante às American Brown Ale, podemos citar:
Verace Django
Medalha de Bronze no Brussels Beer Challenge em 2017. Prata no Festival Brasileiro da Cerveja em 2018 e Bronze no mesmo Festival em 2019. Apresenta um delicioso e equilibrado aroma de café e chocolate amargo, com um leve toque de mel, em conjunto com marcantes e excepcionais aromas cítricos e frutados dos lúpulos americanos utilizados. Teor alcoólico de 5,8% ABV e índice de amargor de 31 IBU. Tem coloração marrom muito escura.
Barco Bronx
Medalha de Prata no Festival Brasileiro da Cerveja em 2017 e Ouro no mesmo Festival em 2019. Prata na Copa de Cervezas de America em 2017. Tem corpo médio, coloração castanho-escura, aromas cítricos, herbais e resinosos intensos e originários do lúpulo, todavia, em equilíbrio com notas de café, chocolate e toffee, provenientes do malte. Teor alcoólico: 5,3% ABV. Índice de Amargor: 28 IBU.
Ainda podem ser citados como bons exemplares nacionais de “American Brown Ale”, com premiações em importantes concursos e boas avaliações no aplicativo “Untapp”:
- 3 Mosqueteiros Secreta Nut Brown Ale (Medalha de Bronze no Festival Brasileiro da Cerveja em 2017);
- Cerrado Bier Tamanduá Bandeira Brown Ale (Medalha de Bronze no Festival Brasileiro da Cerveja em 2018);
- Cevada Pura Café e Cacau Brown Ale (Medalha de Bronze na Copa de Cervezas de America de 2016) e
- Urbana Prima Pode (Medalha de Ouro na Etapa Nacional do World Beer Awards em 2015).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo buscou desenvolver um estudo sobre os estilos de cerveja “English Brown Ale” e “American Brown Ale”, considerando as informações disponíveis em extensa literatura, nos principais guias de estilos existentes (Brewers Association e Beer Judge Certification Program), em sites de cervejarias na internet, bem como no aplicativo “Untappd”.
Apesar de as Brown Ale serem cervejas, para muitos, sem grandes diferenciais em termos de complexidade, ficou clara e em destaque no artigo a sua importância, haja vista que praticamente toda cervejaria inglesa e americana tem, em seu catálogo, no mínimo, uma cerveja do(s) estilo(s). Isto deve-se não só ao fato de seu processo de fabricação ser razoavelmente simples, mas também por serem cervejas equilibradas, sem grande ênfase em apenas um de seus ingredientes (malte, lúpulo, fermento), o que a muitos agrada. Outro aspecto que merece destaque quando se trata das cervejas Brown Ale, é o fato de não pertencerem aos estilos de maior apelo, tanto dos apreciadores de cerveja, quanto dos especialistas em cerveja. Assim, os cervejeiros possuem maior margem de discricionariedade para exercitarem sua criatividade, inclusive com a possibilidade de adicionarem ingredientes não convencionais, tais como a lactose, o mel, o caramelo, o xarope de bordo, o melaço, dentre outros.
REFERÊNCIAS
ALWORTH, J. The Beer Bible. 1ª ed. New York: Workman Publishing Co. Inc., 2015.
AMATO, M. Beerology: Everything You Need to Know to Enjoy Beer…Even More. 1ª ed. Vancouver: Appetite by Random House, 2014.
ARREGUY, F. Cervejas e Comidas Mineiras: Vamos Combinar?. 1a. ed. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2017.
BEAUMONT, S. Cerveja e Comida: Princípios de Harmonização, Receitas e Guia de Degustação. 1ª ed. São Paulo: Publifolha, 2016.
BERNSTEIN. J. The Complete Beer Course – Boot Camp for Beer Geeks: From Novice to Expert in Twelve Tasting Classes. 1ª ed: NewYork: Sterling Epicure, 2013.
DANIELS, R. and PARKER, J. Brown Ale: History, Brewing Techniques, Recipes (Classic Beer Style Series). 1ª ed. Boulder: Brewers Publications, 1998.
DORNBUSCH, H. Beer Styles from Around the World: Stories, Ingredients & Recipes, 1ª ed. West Newbury: Cerevisia Communications, 2015.
DREDGE, M. Cerveja e Gastronomia: Harmonização das Melhores Cervejas do Mundo com Pratos Deliciosos. 1ª ed. São Paulo: Publifolha, 2016.
HERZ, J. & CONLEY, G. Beer Pairing: The Essential Guide from the Pairing Pros. 1ª ed. Minneapolis: Voyageur Press, 2015.
JACKSON, M. The World Guide to Beer. 1ª ed. Apple Press Ltd: 1977.
MOSHER, R. Tasting Beer: An Insider’s Guide to the World’s Greatest Drink. 2ª ed. North Adams: Storey Publishing, 2017.
NOBRE, A. 1000 Cervejas Premiadas Brasileiras. 2ª ed. Porto Alegre: Edição do Autor, 2018.
OLIVER, G. A Mesa do Mestre-Cervejeiro: Descobrindo os Prazeres das Cerveja e das Comidas Verdadeiras. 1ª ed. São Paulo: Editora SENAC, 2012.
OLIVER, G. The Oxford Companion to Beer. 1ª ed. New York: Oxford University Press, 2011.
TIERNEY-JONES, A. 1001 Cervejas para Beber Antes de Morrer. 1ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
WEBB, T. and BEAUMONT, S. The World Atlas of Beer: The Essential Guide to the Beers of the World. 2ª ed. London: Mitchel Beazley, 2016.
GUIA DE ESTILOS BA 2018 – Brewers Association 2018 Beer Style Guidelines.
GUIA DE ESTILOS BJCP 2015 – Beer Judge Certification Program 2015 Style Guidelines.
SITE DA CERVEJARIA BRAGANTINA. . Acesso em 20/04/2019.
SITE DA CERVEJARIA DAMA BIER. www.damabier.com.br. Acesso em 20/04/2019.
SITE DA CERVEJARIA VOTUS. https://www.cervejariavotus.com.br. Acesso em 20/04/2019.
SITE DA CERVEJARIA VERACE. https://cervejariaverace.com.br. Acesso em 20/04/2019.
SITE DA CERVEJARIA BARCO. https://www.barcobrewers.com. Acesso em 20/04/2019.
SITE UNTAPPD. https://untappd.com. Acesso em 20/04/2019.
* As opiniões expressas pelos alunos e ex-alunos da Escola Superior de Cerveja e Malte em artigos e entrevistas publicados nesse blog, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da ESCM. |