Você já se perguntou como o lúpulo foi parar na cerveja? E por que ele permanece sendo utilizado na cerveja, não encontrando substituto à altura até hoje?
Já quis saber se o lúpulo pode ser cultivado com facilidade no Brasil e se ele é de boa qualidade?
Abaixo você encontra a resposta a essas e outras perguntas sobre o ingrediente mais instigante da cerveja no artigo do professor da ESCM, Duan Ceola, licenciado em Química pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pesquisador e mestrando em Química Analítica na UDESC com projetos de pesquisa relacionados aos lúpulos nacionais.
Com vocês, um dos maiores nomes de lúpulo do Brasil!
Boa leitura!
O insumo mais importante para a produção de cerveja são as fontes de carboidrato provenientes de grãos, sejam eles, trigo, cevada, milho, arroz, e mais uma infinidade de grãos que passam por um processo de germinação seguidos de processos químicos-biológicos até chegar no carboidrato, e então, há o processo de fermentação.
Historicamente é o que diferencia a cerveja do vinho.
Ambas são bebidas fermentadas, porém o vinho é proveniente de uma fermentação que ao invés do uso de grãos, são frutas, não apenas a uva, que dão origem ao substrato utilizado pelas leveduras.
Ambas as bebidas foram descobertas totalmente por acaso do destino, ou seja, grãos ou frutas que em algum momento submergiram-se em água a fim de gerar um líquido totalmente excêntrico que levou à criação de civilizações, principalmente na Europa.
Aos poucos a bebida fermentada passou a ser chamada de Ale, e cada região possuía o arbítrio de condimentar e temperar as Ales com as especiarias que lhe convinham.
Primeiramente era utilizado o Gruit – uma série de ervas, raízes e frutas secas – como principal condimento, até que em meados do século XIII o lúpulo começou lentamente a substituí-lo.
De alguma forma, essa substituição agradou, e agradou muito!
Começou na Alemanha e espalhou-se de maneira exponencial pela Europa inteira, incluindo a Grã-Bretanha, em que há documentos que relatam a existência de lúpulo no Século XIII.
Esse novo modo de temperar as cervejas conquistou o mundo inteiro.
Mas afinal, por que o lúpulo?
No lúpulo existem inúmeros tipos e classes de compostos, esses chamados de metabólitos secundários. Dentre eles, destaco as resinas macias, que pode ser dívidas em α-ácidos e fração β.
É nas resinas macias que se encontram os ácidos amargos do lúpulo, constituídos de uma combinação de α-ácidos (humulonas) e β-ácidos (lupulonas) que, em média, representam entre 4-20% da massa total do lúpulo em base seca. Dentro deste percentual, a parcela dos α-ácidos constituem de 1,5-13% da massa total das resinas macias e, dependendo da variedade, pode chegar até concentrações em torno de 20% em análises laboratoriais.
Além disso, no lúpulo podem ser encontrados mais de 1000 óleos essenciais, que de acordo com a ISO 9235:2013, define óleo essencial como o produto obtido a partir de uma matéria-prima de origem vegetal, por destilação com água ou vapor d’água.
Os óleos essenciais do lúpulo são produzidos nas glândulas de lupulina, e representam de 0,50 a 3,0% da massa do lúpulo seco. Os óleos essenciais do lúpulo contribuem para o aroma e o sabor da cerveja, conferindo uma enorme gama de notas de aroma para os diferentes tipos de cerveja, como notas de amadeirado, cítrico, especiarias, floral, frutado, sulfuroso, herbal, resinoso, terroso e picante.
Sendo assim, o uso do lúpulo contribui diretamente para o perfil sensorial da cerveja, caracterizando a sua singularidade de acordo com o local de onde foi plantado. Proporciona o amargor da cerveja, através do processo de isomerização de seus ácidos durante a fervura do mosto, e características específicas de aroma com alguns compostos voláteis.
O Lúpulo no Brasil
As plantações de lúpulo demoraram para chegar no Brasil. O início dos plantios em terras brasileiras que foram documentados, datam aproximadamente de 1860, na região que hoje é o Rio Grande do Sul, trazidas pelo barão Von Steinberg, como descrito na figura abaixo.
Posteriormente, no ano de 1868, na região de Petrópolis-RJ as plantações de lúpulo cativaram o Ministro da Agricultura, Joaquim Antão Fernandes Leão, e o Comendador Antônio José Gomes Pereira Bastos, proprietário de uma importante cervejaria na região (guardem este nome).
A cultura do lúpulo nesta época contava com aproximadamente 150 plantas e segundo relatos, os cultivares da época estavam dando resultados bons, com rendimentos de plantas excelentes, mostrando ser uma cultura de valor agregado e de suma importância para o ramo da cerveja.
Foram justamente esses resultados que despertaram o interesse do Comendador Antônio José Gomes Pereira Bastos. Em uma de suas viagens à França, onde seria membro adjunto da Exposição Internacional de Paris, ele teve contato com importantes cultivadores de lúpulo da Alemanha, Inglaterra e Bélgica, dos quais entre uma conversa e outra, conseguiu absorver muito conhecimento para trazer ao Brasil, junto com algumas mudas de lúpulo. Aproximadamente mil pés em estacas.
Essas mudas foram destinadas ao Ministro da Agricultura para que distribuíssem pelas colônias. Porém, todos os esforços não pareciam estar sendo correspondidos, e com a seca e calor do verão de 1871, grande parte das plantações morreram. As poucas plantas que restaram, foram distribuídas nas regiões de Nova Friburgo e em Minas Gerais.
Mas, por que cultivar lúpulo no Brasil?
A produção e o consumo de bebidas alcoólicas fermentadas foi alicerce para o desenvolvimento das sociedades, e sua protagonista, a cerveja, hoje é uma das bebidas mais consumidas no mundo, chegando em 2014 a 196 bilhões de litros produzidos mundialmente, o que a tornou parte de um setor extremamente rentável.
O maior país produtor é a China (49,2 bilhões de litros), seguido pelos Estados Unidos (22,6 bilhões de litros). Entretanto, tais países não se caracterizam como os maiores mercados consumidores (per capita), sendo a República Tcheca o maior consumidor (147,1 litros per capita em 2014), em segundo lugar está a Namíbia, com 108,9 litros per capita e em terceiro lugar a Áustria (105,9 litros per capita) (BECK, 2015; CERVBRASIL, 2015).
O Brasil, por sua vez, se situa como o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com uma produção anual de 14 bilhões de litros em 2014. E aumentando gradativamente, como mostra no infográfico da análise do mercado de cerveja do Brasil. Então, a resposta de o “Por que cultivar lúpulo no Brasil?” é simples. Para fazer cerveja!
O Brasil, atualmente, importa toda sua demanda de lúpulo de países como EUA e Alemanha, o que o torna mais caro e com qualidade reduzida, devido ao tempo de armazenamento e transporte.
Em que pé encontra-se o cultivo de lúpulo no Brasil?
A produção de lúpulo no Brasil enfrenta alguns obstáculos, visto que a planta tem demandas específicas de clima (exposição ao frio intenso durante o inverno) e de luz solar, necessitando de cerca de 17h de luz solar durante sua floração.
Entretanto, certas variedades têm se adaptado ao clima do Brasil e conseguiu-se produção significativa.
A produção de lúpulo nacional, portanto, tem papel fundamental para indústria cervejeira, influenciando diretamente na qualidade do produto acabado, já que seu período de estocagem é relativamente baixo, preservando seus óleos aromáticos, além da redução do custo do insumo.
A produção de lúpulo no Brasil está aumentando a cada dia que passa, promovendo ganhos para os produtores, gerando maior renda e empregos. Além dos ganhos para a indústria cervejeira, visto ter um insumo com maior qualidade sensorial e menor valor agregado, já que não haverá a taxa de importação embutida no preço.
O plantio de lúpulo no Brasil possibilitará a criação de um produto com identidade nacional, podendo no futuro contribuir para a criação de uma escola cervejeira brasileira, com cervejas de caráter nacional, produzida com insumos brasileiros.
Mas o lúpulo cultivado no Brasil é de boa qualidade?
Pelo fato de parte do meu trabalho ser pesquisa, com foco em análises analíticas, no ano de 2019 tive a oportunidade e o privilégio de analisar aproximadamente 98 lúpulos provenientes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Com essa quantidade de análises, foi possível montar um perfil quantitativo das concentrações dos metabólitos da planta (α-ácidos e óleos essenciais) abordado no infográfico abaixo:
Venho fazendo esse acompanhamento desde início do ano de 2018 e os resultados sempre são surpreendentes e muito promissores.
Para uma publicação próxima, posso trazer os dados dos anos anteriores que mostra o estado do Rio de Janeiro apresentando lúpulos extremamente robustos, com destaque para a plantação do saudoso Paulo Cordeiro de Nova Friburgo, principal peça do cultivo do lúpulo na região, e os dados atuais, caso haja curiosidade dos leitores.
Como conclusão desse atual parâmetro do cultivo de lúpulo no Brasil, é possível observar que o Distrito Federal apresenta concentrações de metabólitos superiores aos demais estados.
Parte disso está atribuído diretamente às condições climáticas da região, ou seja, sol intenso e clima seco, mas vale destacar o manejo do solo.
Estudando um panorama histórico, boa parte dos estados que apresentavam lúpulos menos “robustos” (termo utilizado para destacar as concentrações dos metabólitos) no ano de 2018 mostraram um aumento significativo no ano seguinte. Boa parte desse acréscimo se deve justamente ao manejo do solo.
Destaco os lúpulos das cidades de Lages e Curitibanos na região serrana de Santa Catarina que devido ao manejo adequado do solo, apresentaram robustez significativa.
Por falar em Serra Catarinense, é justamente nesta região que se encontram alguns dos cultivadores mais relevantes para o atual cenário do lúpulo nacional: Alexander Creuz, presidente da Aprolúpulo (Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo), e Rodrigo Baierle, com seus lúpulos Cascade, Nugget e Chinook com quantidades cavalares de α-ácidos (média de 8,5%) e aromas inigualáveis que exalam na caixa do correios quando me enviado para análise.
No Rio Grande do Sul, contamos com os lúpulos totalmente adultos, equilibrados e incrivelmente aromáticos do Natanael Moschen, proprietário da empresa Lúpulo Gaúcho e idealizador do canal no YouTube Lúpulo Gaúcho, onde ele ensina técnicas de cultivo, propagação, colheita e pós processamento do lúpulo.
Vale destacar que todas as análises foram feitas na Escola Superior de Cerveja e Malte, seguindo metodologias oficiais EBC (European Brewery Convention) e ASBC (American Society of Brewing Chemist).
O lúpulo brasileiro como objeto de pesquisa científica
Não é apenas o cultivo do lúpulo que vem se destacando no Brasil. As pesquisas científicas vêm ganhando espaço com grupos de pesquisadores espalhados pelo Brasil todo, com publicações em revistas científicas nacionais e internacionais, além de defesas de mestrado e doutorados com impactos expressivos na comunidade acadêmica, mostrando que o lúpulo no Brasil possui características únicas e utilizações impactantes na produção de cerveja.
Como por exemplo…
- A UDESC com campus em Joinville e Lages desenvolvem pesquisas relacionados ao cultivo, utilização do lúpulo na cerveja, desenvolvimento e validação de métodos analíticos para análise dos compostos.
- Instituto Avançado de Ensino Superior de Barreias – IAESB, Faculdade São Francisco de Barreiras – 7 variedades de lúpulo, foco adaptação, desenvolvimento, produção e análises dos óleos essenciais e resinas. Daiane Guerreiro – UnB.
- Fortaleza, Ceará. 10 variedades. Foco está na análise de óleos essenciais e compostos fixos (marcadores químicos) ao longo das floradas. Somos do LPNBio, UFC, no departamento de química, Ana Maria Amaral e Samuel Pedro.
- Unesp Jaboticabal. Foco em genética e melhoramento de plantas. Desenvolvimento de híbridos adaptados ao clima tropical – Renan Furlan.
- O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE-Quixada) Plantio de 8 espécies diferentes no Ceará.
- Unesp Ilha Solteira, plantio, adaptabilidade e desenvolvimento de 6 variedades no solo e clima do cerrado – Matheus B. Simieli.
- Pesquisa com avaliação agronômica e fitoquímica de variedades de lúpulo sob manejo orgânico na Região serrana Fluminense. Instituições envolvidas: UFRRJ e Embrapa Agrobiologia. – Leonardo.
- Caracterização genética molecular de genótipos de lúpulo utilizando NGS (Genotyping by sequence), ESALQ USP – José Baldin Pinheiro.
- Unesp – Botucatu. Desempenho agrônomico e caracterização Fitoquímica de variedades de lúpulo em sistema orgânico e convencional – Gabriel Fortuna.
- Carácter Químicos de Lúpulos cultivados no Brasil UFES e UFV.
- Unesp de Botucatu, departamento de Bioprocessos e Biotecnologia, desenvolvemos estudos com o lúpulo na área de agrometeorologia (evapotranspiração e saldo de radiação para a cultura) e biotecbologia (uso do lúpulo para tratamento de efluentes) – Valéria Rodrigues.
- IFMS – campus Ponta Porã . Desempenho agronômico e seleção de variedades de lúpulo adaptados a região de fronteira. Annanda Mendes.
- UFSCar, Campus Lagoa do Sino e Sorocaba. Pesquisa envolvendo Epidemiologia e manejo de doenças do lúpulo. Prof. Waldir Cintra de jesus junior e Doutoranda Profa. Márcia Arruda
Percebe-se que o lúpulo é foco de muito estudo e muita dedicação das Universidades, não é mesmo? E o melhor disso é que os estudos e as plantações vêm aumentando gradativamente.
Referências:
Almaguer, C., Schönberger, C., Gastl, M., Arendt, E. K., & Becker, T. (2014). Humulus lupulus- a story that begs to be told. A review. Journal of the Institute of Brewing, n/a–n/a. doi:10.1002/jib.160
CAPILÉ, Bruno A mais santa das causas: a Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891) / Bruno Capilé. Rio de Janeiro, 2010.
http://www.cervbrasil.org.br/novo_site/anuarios/ANUARIO_CB_2015_WEB.pdf
Revista Exame, Site Area H, Site Clinica de Noticias, disponível no Listonas, por Leandro Araujo – 06.07.2015Anterior
Por Duan Ceola, professor da Escola Superior de Cerveja e Malte, licenciado em Química pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pesquisador e mestrando em Química Analítica na UDESC com projetos de pesquisa relacionados aos lúpulos nacionais.
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